- OS CLÁSSICOS DA TERTÚLIA DA RCV
Ouvi ontem a noite, no programa «Tertúlias Pela Noite Dentro» da RCV uma conversa sobre literatura clássica. Ai, os clássicos! O seu a seu dono, diria... é que os conversadores, que Tertulianos só foram dois, do programa reinventaram o conceito de «clássico» de uma forma que me deixou estarrecido. Uma coisa é falar-se dos clássicos, os verdadeiros clássicos, como são os casos de Sófocles, Virgílio, Ovídio, Homero, … e outra coisa são os clássicos num sentido mais lato, i.e., os autores clássicos modernos — onde falaríamos de Petrarca, Camões, Shakespeare, Dante, João da Cruz, Cervantes, Calderon de la Barca, P. António Vieira, Dostoievsky, Puskin, Thomas Mann, Goethe, Withman, Milton, Alexander Pope, Emily Bronté, William Blake … — e contemporâneos, e aqui poderíamos falar de Tagore, Italo Calvino, John dos Passos, James Joyce, Faulkner, Proust, Steinbeck, Mishima, Unamuno, J.L. Borges, Hemingway e… são os que me ocorrem, agora e sem referir alguns gostos pessoais a acrescentar a estes.
Falar-se de clássicos, e destes só ouvir falar de Homero… sabe a pouco e é pouco, muito pouco. E propõe-se uma leitura clássica que não o é. «O Estrangeiro» de Albert Camus (obra fundamental do existencialismo — que é tão menos literatura como é «O Príncipe» de Maquiavel…) e as «Memórias de Adriano» de Marguerite Yourcenar (que é um livro verdadeiramente fabuloso1) não são clássicos. Podem ser considerados obras fundamentais da literatura francesa, ou até «clássicos franceses», ou «clássicos contemporâneos» mas nunca clássicos em sentido próprio. O mesmo se diga de «O Médico e o Monstro» de Stevenson (que vem atrás das obras de Rudyard Kipling e de Jules Verne, no género aventura e ficção fantástica, por exemplo, e atrás de Mary Shelley se for catalogado como terror). «Coração das Trevas», de Conrad… é, será, um clássico contemporâneo na medida em que o é, por exemplo, «A Oeste Nada de Novo» de E.M. Remarque.
Note-se que, no que a Joseph Conrad diz respeito, o leitor mediano terá preferência por «Lord Jim» — que é uma obra de referência do imaginário aventureiro da minha juventude e da minha geração, e que tem um profundo sentido moral, no sentido clássico — em relação ao «Coração das Trevas» não tem (mesmo sendo ambos obras trágicas segundo o cânone grego). Ademais, surpreendeu-me que um ex-colonizado tenha uma leitura tão apaixonada por essa obra de Conrad. Este, com E.R. Burroughs (quem não se lembra de «Tarzan dos Macacos»?) e Rudyard Kipling («O Homem Que Queria ser Rei» e «O Livro da Selva») são dos escritores mais comprometidos com o ideário imperialista e colonialista (pior: com uma ideia de inferioridade do negro e demais povos colonizados em relação ao homem branco).
Pois é: esses livros tinham e têm muito pouco de infantil, ao contrário do que parecem, pois trazem uma mensagem subliminar e ideológica que escapa ao leitor comum. Mas são clássicos da literatura moderna, no sentido moral e ideológico do seu tempo e da sua disseminação e popularização, mas não têm a dimensão do humanismo que encontramos na «Ilíada» de Homero, na «Antígona» de Sófocles ou no «Prometeu Agrilhoado» de Ésquilo. Ser clássico é muito mais do que ser e ser-se preservado ao longo do tempo. Existem clássicos que a maioria dos cidadãos do Mundo nunca ouviram falar, e é pena que se tenha perdido a oportunidade de os dar a conhecer e terem os conversadores do programa atentado numa ideia refundida de clássico.
Note-se o caso de as «Viagens da Minha Terra», de Almeida Garret (outra das obras referidas no programa). Livro que li pela primeira vez como obrigação escolar mas que gostei de imediato, mas só é um clássico para e no contexto da literatura portuguesa. Já a «Morgadinha dos Canaviais» … foi um dos primeiros livros «a sério» que li (o primeiro foi «Uma Família Inglesa», também de Júlio Diniz) e tem um lugar particular na minha memória literária, mas só é clássico na medida em que considerarmos Júlio Diniz um autor clássico da literatura portuguesa.
Os clássicos são e estão historicamente definidas. «A República» de Platão é um clássico, sim! E não é tão utópico como se pensa…basta lê-lo, basta lê-lo e pensar na sociedade em que vivemos. Assim como «A Política» e a «Ética a Nicómaco» de Aristóteles, a «Antigona» de Sófocles, a «A Cidade de Deus» de Agostinho, as obras de Plutarco, Plínio, o Velho, de Homero, Virgílio, Ovídio, Dio Cássio, Josefo, Tito Lívio, Herodoto, Juvenal, Lamprídio, Spartiano, Ésquilo… são clássicos, no sentido próprio da palavra.
Aconselhar um clássico, é complicado... Para iniciar a leitura em todas as idades, «O Principezinho» de Saint-Exupéry é boa sujestão (não é um livro infantil, não! assim como «Alice no Pais das Maravilhas» ou «Alice através do Espelho» de Lewis Carroll não são livros infantis…), assim com «Cândido» de Voltaire são boas leituras: leves e profundas. Ah!, essa de colocar Sofia de Mello Breyner Anderson entre os clássicos, não lembra ao Diabo! É uma boa poetisa, sim. Mas está longe de ser um clássico, ainda que da literatura portuguesa! Se tivesse ouvido o nome de Florbela Espanca, diria que se estava a fazer um justo paralelo do significado dela para a literatura portuguesa, enquanto poeta, com a que Rosália de Castro tem para a poesia Galega.
Quantos aos clássicos cabo-verdianos… quando começarem a promover a nossa cultura de forma devida, nomeadamente reeditando os autores de antanho, poderemos falar deles com propriedade. Pois isso de ser clássico, não é só dizer que se é, ai não. Ser-se não é bastante. No sentido de clássicos nacionais, de Cabo Verde, é fácil dizer que este ou aquele é um clássico; acho que esse é o mais fácil dos exercícios; mesmo que não tenha sido lido, mas só citado… ou ouvido dizer; como é moda ou modismo em dado sector da cultura.
Imagem: Olympe – Jean Louis Grig
Falar-se de clássicos, e destes só ouvir falar de Homero… sabe a pouco e é pouco, muito pouco. E propõe-se uma leitura clássica que não o é. «O Estrangeiro» de Albert Camus (obra fundamental do existencialismo — que é tão menos literatura como é «O Príncipe» de Maquiavel…) e as «Memórias de Adriano» de Marguerite Yourcenar (que é um livro verdadeiramente fabuloso1) não são clássicos. Podem ser considerados obras fundamentais da literatura francesa, ou até «clássicos franceses», ou «clássicos contemporâneos» mas nunca clássicos em sentido próprio. O mesmo se diga de «O Médico e o Monstro» de Stevenson (que vem atrás das obras de Rudyard Kipling e de Jules Verne, no género aventura e ficção fantástica, por exemplo, e atrás de Mary Shelley se for catalogado como terror). «Coração das Trevas», de Conrad… é, será, um clássico contemporâneo na medida em que o é, por exemplo, «A Oeste Nada de Novo» de E.M. Remarque.
Note-se que, no que a Joseph Conrad diz respeito, o leitor mediano terá preferência por «Lord Jim» — que é uma obra de referência do imaginário aventureiro da minha juventude e da minha geração, e que tem um profundo sentido moral, no sentido clássico — em relação ao «Coração das Trevas» não tem (mesmo sendo ambos obras trágicas segundo o cânone grego). Ademais, surpreendeu-me que um ex-colonizado tenha uma leitura tão apaixonada por essa obra de Conrad. Este, com E.R. Burroughs (quem não se lembra de «Tarzan dos Macacos»?) e Rudyard Kipling («O Homem Que Queria ser Rei» e «O Livro da Selva») são dos escritores mais comprometidos com o ideário imperialista e colonialista (pior: com uma ideia de inferioridade do negro e demais povos colonizados em relação ao homem branco).
Pois é: esses livros tinham e têm muito pouco de infantil, ao contrário do que parecem, pois trazem uma mensagem subliminar e ideológica que escapa ao leitor comum. Mas são clássicos da literatura moderna, no sentido moral e ideológico do seu tempo e da sua disseminação e popularização, mas não têm a dimensão do humanismo que encontramos na «Ilíada» de Homero, na «Antígona» de Sófocles ou no «Prometeu Agrilhoado» de Ésquilo. Ser clássico é muito mais do que ser e ser-se preservado ao longo do tempo. Existem clássicos que a maioria dos cidadãos do Mundo nunca ouviram falar, e é pena que se tenha perdido a oportunidade de os dar a conhecer e terem os conversadores do programa atentado numa ideia refundida de clássico.
Note-se o caso de as «Viagens da Minha Terra», de Almeida Garret (outra das obras referidas no programa). Livro que li pela primeira vez como obrigação escolar mas que gostei de imediato, mas só é um clássico para e no contexto da literatura portuguesa. Já a «Morgadinha dos Canaviais» … foi um dos primeiros livros «a sério» que li (o primeiro foi «Uma Família Inglesa», também de Júlio Diniz) e tem um lugar particular na minha memória literária, mas só é clássico na medida em que considerarmos Júlio Diniz um autor clássico da literatura portuguesa.
Os clássicos são e estão historicamente definidas. «A República» de Platão é um clássico, sim! E não é tão utópico como se pensa…basta lê-lo, basta lê-lo e pensar na sociedade em que vivemos. Assim como «A Política» e a «Ética a Nicómaco» de Aristóteles, a «Antigona» de Sófocles, a «A Cidade de Deus» de Agostinho, as obras de Plutarco, Plínio, o Velho, de Homero, Virgílio, Ovídio, Dio Cássio, Josefo, Tito Lívio, Herodoto, Juvenal, Lamprídio, Spartiano, Ésquilo… são clássicos, no sentido próprio da palavra.
Aconselhar um clássico, é complicado... Para iniciar a leitura em todas as idades, «O Principezinho» de Saint-Exupéry é boa sujestão (não é um livro infantil, não! assim como «Alice no Pais das Maravilhas» ou «Alice através do Espelho» de Lewis Carroll não são livros infantis…), assim com «Cândido» de Voltaire são boas leituras: leves e profundas. Ah!, essa de colocar Sofia de Mello Breyner Anderson entre os clássicos, não lembra ao Diabo! É uma boa poetisa, sim. Mas está longe de ser um clássico, ainda que da literatura portuguesa! Se tivesse ouvido o nome de Florbela Espanca, diria que se estava a fazer um justo paralelo do significado dela para a literatura portuguesa, enquanto poeta, com a que Rosália de Castro tem para a poesia Galega.
Quantos aos clássicos cabo-verdianos… quando começarem a promover a nossa cultura de forma devida, nomeadamente reeditando os autores de antanho, poderemos falar deles com propriedade. Pois isso de ser clássico, não é só dizer que se é, ai não. Ser-se não é bastante. No sentido de clássicos nacionais, de Cabo Verde, é fácil dizer que este ou aquele é um clássico; acho que esse é o mais fácil dos exercícios; mesmo que não tenha sido lido, mas só citado… ou ouvido dizer; como é moda ou modismo em dado sector da cultura.
Imagem: Olympe – Jean Louis Grig
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[1] Livro que gosto em particular, por destoar das obras do género. É, com «Ulisses» de James Joyce, provavelmente, o livro mais difícil que se pode aconselhar a qualquer leitor. Uma proposta de leitura da Dra. Ondina Ferreira que está ao alcance de muitos poucos leitores, pois é um livro que só se consegue ler (no sentido de perceber a obra) se se conhecer os clássicos, os verdadeiros clássicos – e Marguerite Yourcenar escreveu «Memórias de Adriano» para poucos, talvez a pensar em si mesma (é a sensação que fico sempre que vasculho a obra) e num bonnus pater familias da cultura clássica que sabe quem foi Adriano. Neste aspecto foi pouco democrática. Mas quem foi que disse que a cultura é democrática?
[1] Livro que gosto em particular, por destoar das obras do género. É, com «Ulisses» de James Joyce, provavelmente, o livro mais difícil que se pode aconselhar a qualquer leitor. Uma proposta de leitura da Dra. Ondina Ferreira que está ao alcance de muitos poucos leitores, pois é um livro que só se consegue ler (no sentido de perceber a obra) se se conhecer os clássicos, os verdadeiros clássicos – e Marguerite Yourcenar escreveu «Memórias de Adriano» para poucos, talvez a pensar em si mesma (é a sensação que fico sempre que vasculho a obra) e num bonnus pater familias da cultura clássica que sabe quem foi Adriano. Neste aspecto foi pouco democrática. Mas quem foi que disse que a cultura é democrática?
14 comentários:
Nunca é tarde! Nunca é tarde! Sabe é que o programa já tinha sido emitido pela primeira vez há 15 dias.... e a crítica que faz já tinha sido também feita há 15 dias.
Ah, sim?
Eu ouvi ontem...
http://twitter.com/virgiliobrandao
Já agora, onde foi feita essa crítica? Fiquei com a ideia de algumas daquelas pessoas não sabem bem o que são os clássicos... mas se calhar estarei a se injusto. E se for o caso, certamente que me perdoarão; mas que passaram essa ideia, passaram...
Noite boa
Mas como você não lê os blogues? Eu passo tudo a pente fino!
Anónimo das 10/Nov/2009 20:06:00
(agora, tem um apelido cronográfico...),
isso é uma resposta?
O que eu leio, isso não lhe diz respeito, a não ser que o partilhe. Se fiz uma pergunta, foi por alguma razão, não é? Não dá para perceber o porquê?
Noite boa
Oi Virgilio
Não tendo escutado o tal programa, e fazendo fé no que dizes, vou discordar da tua posição e do teu (pre)conceito de clássico, melhor, do teu conceito historicista, académico e ortodoxo de "Os Clássicos". Clássico não pode ser apenas o que a cultura clássica e humanista pendurou (fixou) no cabide conceptual (nas Tábuas Canónicas). Nestas coisas, creio eu, os 'mandamentos' são maus conselheiros. Há ainda alguns "muros de Berlim" por derrubar. Conhecendo-te minimamente, sei que a defesa que fazes, doutamente aliás, de uma tal 'dama', algo que te é muito caro, e que dominas como poucos, faz todo o sentido. O que não sei é se a lógica que fundamenta esse sentido me interessa hoje, ou seja, se essa 'classifixação', do ponto de vista operativo e dilemático, é pertinente. Mas, melhor do que eu, explicam isso o Steiner, o Bloom, o Elliot, o Calvino, o E. Lourenço ou o V.A.Silva, entre outros, que abordaram este tema. Só te mando este postalzinho porque achei um pouco exagerado o teu 'estarrecimento' (perdoa-me o litote). Falaremos pessoalmente do tema um destes dias. Aquele abraço.
ZCunha
P.S.- Estou ansiosamente à espera da tua reflexão sobre o discurso do Veiga (ao que me parece gostaste bastante). Força. Venha ela.
+1Ab
Você é que pôs cronografia nisto! Arranje pois tempo cronológico para procurar na Net. Nada é dado neste mundo!
Cunha,
fica combinado a nossa conversa em torno desta questão.
Sempre te digo que do ponto de uma cultura de valores, é pertinente a revisitação dos clássicos, como tradicionalmente entendido. É que, por exemplo, considerar Joseph Conrad (e o que subjaz à sua escrita, nomeadamente a ideia de maioridade do poder colonial), nesse plano, de «clássico» é um exagero. E tens aí a dimensão dilemática...
Abraço fraterno
Ah, e poderemos falar sobre o discurso do Veiga, também.
Ánónimo das 11/Nov/2009 0:58:00:
pus, sim.
Bem, eu dou.
Não irei, por mais curioso que seja, andar aos ganbuzinos, nãos...
Boa noite
Não, para mim não dá coisa nenhuma! Mas deixe-me concordar consigo sobre o Conrad, cujo escrita era aliás racista; sim racista, não tenhamos medo das palavras! Estou também de acordo consigo em oposição ao esse seu outro visitante de tertúlias. Até porque ele leu Steiner parcialmente. É que Steiner tem até uma tese que ele recomenda aos leitores e que tem a ver com a sua condição de leitor poliglota que aprendeu muito com os clássicos. Ele vai a ponto de citá-los nome por nome. O seu outro companheiro de debate anda muito distraído. Isto não é uma questão de gosto e selecção de cada um; há regras e canônicos!
Oi Virgilio
Como deves calcular não pus (nem ponho) em causa o ESPAÇO dos Clássicos (ele há Clássicos e clássicos, assunto que pode ser discutido sem qq espírito beato). Quis falar da ideia de fronteira, e de espaço alargado, num território conceptual que o tempo se encarregou, e bem, de expandir, à parte os gostos que cada época elege e canoniza, no trabalho inevitável de revisão/actualização. A tua causa é a minha causa, mas eu tenho o defeito de não ser preciosista. Excluir os Clássicos? Mesmo eu, que os conheço mal, seria estultícia colocar tal ignorância por hipótese. Quanto à “revisitação, como tradicionalmente entendido”, julgo que nem há outro caminho. Quanto ao resto, como poderei explicar-me melhor? Claro que é obrigatório lá voltar, e não só para os ler, mas, como diria I. Calvino, para os RELER. Não como deuses cristalizados de um qq Olimpo. Pergunto, o que seria da “ordem da Polis” de Creonte, sem a “rebeldia da ‘nova ordem’ que o sublime amor” de Antigona anuncia? Alguma rebeldia COM CAUSA(s), não fica mal, e até é bem vinda. Nem pareceu ser, pelo teu relato, o caso dos radialistas. Apenas achei exagerado o teu espanto. Por mim fiquei satisfeito por saber de um programa onde, bem ou mal, se fala de LIVROS, de LER, e de LEITURA, com ou sem Clássicos à mistura, mesmo que com alguns 'defeitos' semânticos. Se calhar o tema vale bem um debate (embora velho como a Sé de Braga) sobre “O que é um Clássico?”.
ZCunha
PS 1- Não entendo o que é que o plano ideológico em Conrad, seja a questão do racismo, do colonialismo ou da alienação, tem a ver com a inegável qualidade literária da sua escrita, e em particular a maturidade de algumas obras, hoje clássicos da literatura, nomeadamente Heart of Darkness ou Nostromo. Lê-lo como um sub-produto ideológico, apenas isso, é simplificação a mais, a que não resistiriam Pound, Elliot ou Celine, para ficar só pela literatura, e não invocar aqui a grande música, ou alguns clássicos do pensamento. Não me leves a mal mas, de repente, deu-me vontade de ir revisitar Kurtz.
NOTA c.d.: De facto não devemos ter medo das palavras. Respeito chega. Nem que seja irreverente. Devemos sim, ter medo da estupidez. Isso sim assusta.
ZCunha
PS 2 - Eu sou um defensor incondicional do anonimato. Mas do Anonimato de ideias, e com princípios (mesmo que sem ideais). Há, no entanto, uma espécie, desta sub-espécie, que, pela sua irrelevância e atrevimento, considero inimputável, por isso, quando me caem na sopa limito-me a mudar de prato, e a chamar a gerência para lavrar protesto. Meu velho, como és tu o “Gerente” do estaminé fica a nota no 'Livro de Reclamações'. No entanto, vejo-me obrigado a confessar-te o seguinte. De facto, pratico a distracção como atitude filosófica. Quanto ao Steiner, tenho a ilusão de o ter lido muito (todo ele em português, claro), mas de cada vez que o re-visito, fico com essa estranha sensação de ‘parcialidade’. De infinita, renovada, e desdobrada parcialidade. A culpa não é minha confesso-o, por que se limitação natural é motivo para culpas, então confesso-me culpado, e sem perdão. Em boa verdade, o verdadeiro ‘culpado’ é o autor de ‘Errata’ (por onde, parece-me, andou alguém extraviado ultimamente - talvez por ter sido o último livro do autor de Antígonas publicado entre nós) mas pela razão benigna da dimensão da sua obra, e do seu pensamento. Mas há muitos outros que me deixam assim encurralado entra a minha pequenez, e peles de galinha de prazer. Graças a Deus! Quanto à relação cânone/gosto, é já outra discussão que para aqui não é chamada. Mas eu tenho o meu cânone, acredita. Lá isso tenho. E em muitos aspectos coincide com o normativo, com o normalizado, e noutros NÃO! Graças a Deus!
Abraço
ZCunha
Cunha,
Sobre o anonimato parece-me que todas as pessoas de bom senso estarão de acordo numa coisa: anonimato de ideias sim, de ofensores dos demais não e para se recolher dividendos de qualquer ordem, não.
O anonimato é um direito de personalidade, mas deve ser exercido como tal: com os deveres correlativos. E é isso que muitos não entendem, nem querem.
Abraço fraterno
Sobre os clássicos, Cunha. É verdade: falar-se sobre literatura na RCV ou de qualquer espaço público ou se serviço público é de aplaudir. No plano de promoção da leitura, o clássico é e deve ser o canónico – os novos clássicos da literatura são outra coisa.
E concordo contigo quando dizes que “Lê-lo como um sub-produto ideológico, apenas isso, é simplificação a mais, a que não resistiriam Pound, Elliot ou Celine, para ficar só pela literatura, e não invocar aqui a grande música, ou alguns clássicos do pensamento.” E essa será a questão, pois quando li Conrad pela primeira vez não pensei neste plano da sua obra. Mas no plano do discurso, quem o aconselha deve sabe o que aconselha e a quem. A obra de Conrad não se resume ao plano estético e a de Wagner, por exemplo, também não – como bem dizes.
Preciosismo da minha parte? Noutras coisas e momentos, sim. Não neste aspecto (percebi o que querias dizer ).
A distracção como filosofia (prática) parece-me um bom conceito.
Deixemos lá o Steiner, pois colocas a questão, parece-me, no devido sentido. Ah, a natureza humana! E não sei porquê – na verdade sei –, tenho sempre por perto dois pequenos livros de bolso (cabem mesmo no bolso do casaco, e levo-os para sítios onde não posso levar livros: funerais, casamentos e outros actos solenes): «La infância de un Jefe», de Sartre e «Nostalgia del Absoluto», de Steiner.
A estupidez assusta, sim. Deve assustar, pois nunca sabemos o que a estupidez é capaz, qual é ou pode ser o seu sentido, pois é um vulcão de sentimentos e não de razão. Mas lá bem dizia Pascal, no seu «Pensamentos» que «o coração tem razões que a razão desconhece» (pensamento 167, se a memória não me atraiçoa) e a consciência da nossa pequenez é que nos faz Ser no Mundo.
Abraço fraterno
PS: Sei, sei que tens o teu cânone, e felizmente é o teu e não o de outra pessoa.
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