terça-feira, 3 de novembro de 2009

  • PENSAMENTO «PRIMITIVO» E MENTE «CIVILIZADA»1

A maneira de pensar dos povos a que normalmente, e erradamente, chamamos «primitivos» — chamemos-lhes antes «povos sem escrita», por que, segundo penso, este é que é o fator discriminatório entre eles e nós — tem sido interpretada de dois modos diferentes, ambos errados na minha opinião. O primeiro considera que tal pensamento é de qualidade mais grosseira do que o nosso, e na Antropologia contemporânea o exemplo que nos vem imediatamente à idéia é Malinowski. Afirmo, desde já, que tenho a maior admiração por ele, que o considero um dos maiores antropólogos e que não pretendo com esta observação diminuir-lhe a sua contribuição para o campo da ciência. Contudo, Malinowski tinha a sensação de que o pensamento do povo que estava a estudar — e, de uma maneira geral, o pensamento de todas as populações sem escrita que eram o objeto de estudo da Antropologia — era ou é determinado inteiramente pelas necessidades básicas da vida.

Se se souber que um povo, seja ele qual for, é determinado pelas necessidades mais simples da vida — encontrar subsistências, satisfazer as pulsões sexuais e assim por diante —, então está-se apto a explicar as suas instituições sociais, as suas crenças, a sua mitologia e todo o resto. Esta concepção, que se encontra muito difundida, tem geralmente, na Antropologia, a designação de funcionalismo.

O outro modo de encarar o pensamento «primitivo» – em lugar de sublinhar que e um tipo de pensamento inferior, como o faz a primeira interpretação – afirma que é um tipo de pensamento fundamentalmente diferente do nosso. Esta abordagem à questão concretiza-se na obra de Lévy-Bruhl, que considerou que a diferença básica entre o pensamento «primitivo» – ponho sempre a palavra «primitivo» entre aspas – e o pensamento moderno reside em que o primeiro é completamente determinado pelas representações místicas e emocionais. Enquanto a concepção de Malinowski é utilitária, a de Lévy-Bruhl é uma concepção emocional ou afetiva.


Ora, o que eu tenho tentado mostrar é que de fato o pensamento dos povos sem escrita é (ou pode ser, em muitas circunstâncias), por um lado, um pensamento desinteressado – e isto representa uma diferença relativamente a Malinowski — e, por outro, um pensamento intelectual — o que é uma diferença em relação a Lévy-Bruhl.

in Claude Lévi-Strauss, Pensamento «Primitivo» e Mente «Civilizada», das Conferências Massey de 1977 publicadas pelas Edições 70, Lisboa, sob o título Mito e Significado (p.12-13).

Imagem: Claude Lévi-Strauss
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1 Anunciou-se a morte de Claude Lévi-Strauss, a poucos dias de completar 101 anos. Um homem de Cultura, no sentido mais nobre da palavra, e que ficará na memória da humanidade, sem o procurar.

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