sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

  • OS JUÍZES, OS POLITICOS E A LEI PRAGMÁTICA

A Assembleia Nacional aprovou os nomes propostos pelo PAICV e pelo MPD para o Supremo Tribunal de Justiça. Uma machadada na lei – um mau exemplo para os cidadãos, pois o Conselheiro Raúl Querido Varela não se encontra(va) em condições de ser eleito. Legalmente deveria estar jubilado; e a lei é para todos. Pelos vistos a lei não é para ser cumprida, pelo menos pelos deputados na Assembleia Nacional, pelos menos quando se tem que ser-se pragmático. A bancada do PAICV teve medo do confronto, de ficar com o anátema de não viabilizar o Supremo Tribunal de Justiça.

Não entendo, não consigo entender os deputados nacionais que votaram a favor da nomeação do Juiz Conselheiro Varela – e, note.se bem, não está em causa a pessoa em si nem a sua competência técnica mas tão somente a legalidade da sua nomeação. Só consigo entendê-los se partir do ponto de vista que são não deputados da nação mas sim extensões do Governo e dos partidos. Recuso-me a aceitar isso. Seja qual for a resposta, a constatação é triste, muito triste. E – nestas circunstancias – como podem os deputados, que demonstram com esta acção que não respeitam as da nação, ser legisladores e esperarem que os cidadãos respeitam as leis que fazem? «Faz o que eu digo, mas não faças o que eu faço…» é demasiado arcano e feio para uma terra tão bela como Cabo Verde e para um Estado, muito menos um Estado de Direito.

O Procurador Geral da República e o Presidente da República, têm e devem ter uma palavra activa nesta matéria. A defesa da legalidade é a sua função e deve defende-la, doa a quem dor. Mas o sistema está tão anquilosado que – em tese e em dada situação, quem decidirá se o Dr. Raúl Querido Varela fica ou não no Supremo será o Dr. Bemfeito Mosso-Ramos. Isso se a questão da legalidade da Resolução for levantada antes da tomada de posse dos novos juízes do STJ. Noutra hipótese, de fiscalização sucessiva abstracta pedida pela Procuradoria Geral da República depois da tomada de posse, serão os seus pares eleitos a decidirem. O país não precisava nem precisa disso. Mas o Rule of Law não pode ultrapassado por ninguém. Eu, se fosse o Engº. Jorge Santos começava já a fazer contactos nas ilhas a ver quem se predispõe a ser Juiz Conselheiro, pois pode e deve(rá) ter más notícias da Presidência da República ou da Procuradoria Geral da República nos termos do Artº.275º. da Constituição.

Agora só falta acontecer uma coisa para o risível se tornar tragédia (em oposição à comédia): que o concurso do Conselho Superior da Magistratura Judicial venha a constar entre os vencedores os Juízes Conselheiros João Gonçalves, Fátima Coronel e Manuel Alfredo (actualmente juízes no Supremo Tribunal de Justiça). Mas uma coisa me deixa extremamente surpreendido (e intrigado noutro aspecto que não vem ao caso, pelo menos por agora): será que o MPD não encontrou nenhum cidadão nacional com as qualidades técnicas e a independência necessárias para ocupar o lugar que indicou o Juiz Conselheiro Raúl Querido Varela?

Mas, afinal, não é o MPD – como muitos arvoraram durante muito tempo – um partido de juristas, que, inclusive, colocou na Constituição um conjunto de normas (desnecessárias, diga-se an passant) sobre os Advogados? Essa gente de apurada craveira técnica desapareceu da face da terra da morabeza, iis t´enfiôd n´cu dum boi (como dizia a Alice Manobra) ou, de facto, o Supremo Tribunal de Justiça é uma coutada política e que é a confiança pessoal de um dado partido num determinado Juiz que determina quem deve exercer a função de Juiz Conselheiro? Note-se que, ao contrário do que parece ser um quase consenso nacional (por equívoco sobre o que é e deve ser a independência dos juízes?), não sou contra a nomeação de juízes para os tribunais superiores – se calhar o problema está no modelo do STJ… mas isso fica para as minhas notas sobre a Revisão constitucional a publicar no Liberal on line.

Ou será que o MPD, com esta sua acção quis ou quer demonstrar que as questões relacionadas com os tribunais superiores se resolvem somente por via da revisão constitucional? Se for isso – que até que não é nada mal pensado, mas maquiavélico – estaremos na mesma por nada, pois as propostas de revisão não trazem nada de substancialmente novo nesta matéria e o mandato dos juízes ora nomeados /ou eleitos não poderão ser afectados.

Mas e noutras coisas o país continua a ser pensado de forma casuística, sem sentido estrutural – é o que se passa como essas discussões de lana caprina substancial e que não atentam na causa das coisas. A preocupação é com os sintomas da doença e não com a doença. Assim, não vamos lá… não.

A verdade é que o MPD e o PAICV (onde anda a UCID?) têm, em sede de revisão da Constituição, uma oportunidade de ouro para propor ao país um novo paradigma de estrutura judicial que seja um sistema funcional e capaz de administrar a Justiça de uma forma independente, célere e com legitimidade democrática. Mais não digo, por ora.

  • The Rock of Doom, Edward Coley Burne-Jones

Nota: Avisado por um amigo de que a forma do acto da AN foi de Resolução e não de lei formal (não verifiquei a Constituição para confirmar a natureza do acto), fiz uma pequena alteração neste escrito. O que, em verdade, não afecta o sentido e a substância deste escrito e não ser num plano: em vez de demandar uma intervenção do Presidente da República em sede de fiscalização preventiva o faz no plano da fiscalização sucessiva. Mas a situação cria, por si mesma, um outro problema para o sistema judicial – mas isso fica para outro escrito.

7 comentários:

Anónimo disse...

Senhor Doutor,

Desculpe a minha santa ignorância.

A forma do acto de eleição dos juízes é uma lei e é um acto contendo norma que possa ser objecto de promulgação e/ou de fiscalização de constitucionalidade.
Um titular de um órgão de soberania deve ser conseiderado como um funcionário qualquer da função pública?
A separação de poderes permite ao PR intervir num acto da AN. Desculpe é tudo uignorância e o direito não se coaduna com as opiniões ao sabor do vento...

jm

Virgilio Brandao disse...

JM,
Não temos de saber tudo; felizmente.

É verdade: o Direito é uma ciência e, como diz, «não se coaduna com as opiniões ao sabor do vento...» Por isso mesmo é que um acto normativo não pode estar sujeito ao «sabor do vento» dos interesses, do pragmatismo.

A lei clara sobre esta matéria. A Lei nº 135/IV/95 De 3 de Julho (ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS) determina no seu Artº.42º. (Cessação de Funções) que «Os Magistrados Judiciais cessam funções:
a) No dia em que completam a idade que a lei prevê para a aposentação de funcionários do Estado.»

existe um regime especial para os Juízes do STJ. Mas no caso do Magistrado em causa, a situação é outra, como veremos.

Em rigor, porque o Conselheiro Varela é aposentado da Magistratura Judicial (ver curricullum do mesmo no site do STJ: http://www.stj.cv/index.php?option=com_content&task=view&id=15&Itemid=32
), nunca deveria ter sido eleito para o STJ. Esse é um pecado original.

Mas, mesmo desconsiderando este facto (mesmo que tal não se verificasse), já deveria ter sido aposentado e/ou Jubilado. É o que diz a lei.

Um Juíz, é titular de um órgão de soberania, sim; mas nem por isso deixa de ser um agente (que não é mesma coisa que funcionário) do Estado e sujeita às regras emitidas por este.

Por isso é que Artº.44º. do Estatuto dos Magistrados Judiciais diz o seguinte:
«Aplica-se à aposentação dos Magistrados Judiciais o regime geral estabelecido para os agentes civis do estado em tudo quanto não estiver regulado na presente lei.»

Agora, vá lá ler esse regime… Por alguma razão o Estado criou os limites para a aposentadoria para os seus funcionários e agentes, não é? Mas, ao que importa, a verdade é que o Dr. Raúl Querido Varela não se encontra na condição de elegível para o STL e a decisão da Assembleia viola a lei. Isso, como vê – e de uma forma clara – é o que acontece neste momento.

O princípio da separação de poderes não só permite como exige que o Presidente da República interfira – enquanto órgão de soberania de fiscalização política dos actos legislativos – em defesa da legalidade e da Constituição. Razão pela qual existem os processos de fiscalização preventiva e o veto político; uma “arma” jurídica e outra política.

Abraço fraterno e volte sempre

Anónimo disse...

Muito esclarecido. Fiquei a saber que os actos políticos estão sujeitos a fiscalização preventiva ... É obra...
E que existe veto político para uma resolução não sujeita a promulgação. Outra obra, meu distinto.
Mande sempre. É sempre bom aprender ..

Virgilio Brandao disse...

Sr. Anónimo:
Não se faça de desentendido. Fez-me uma pergunta, eu respondi. E Sabe bem que falo de actos normativos formais da Assembleia Nacional sujeitos a promulgação, não faça confusão na sua cabeça.

Uma coisa, Sr. Anónimo, é falarmos das leis em sentido formal e outra falarmos das resoluções ou moções da AN, mas isso vejo que sabe.

Quando quiser fazer perguntas e quiser ser esclarecido, fâ-lo-ei com prazer e desde que tenha disponibilidade; mas, não agora, não me com questões com um sentido e depois interpretá-los noutro.

Mas entendo a sua intenção… mas não me incomoda, pois é a natureza humana. E, também, entendo o plano em que quer colocar as coisas – da natureza do acto concreto da AN neste caso –, mas isso, Sr. Anónimo, é uma questão diferente. A sua ironia não é fina, nem procedente.

Volte sempre

Anónimo disse...

Senhor Doutor, agradecia que publicasse como de costume essa excelente peça no Liberal. Juristas da sua craveira têm o dever de partilhar o seu saber com quem precisa de aprender

Anónimo disse...

Sr. Doutor, é impressão minha, ou o senhor tem alguma obcessão em relação ao Dr. Benfeito Mosso Ramos. É que esse magistrado anunciou há muito que não pretendia continuar no STJ por mais do que um mandato. Portanto tem sido notório o seu despreendimento em relação ao cargo. Não entendo porquê envolver o seu nome no sistema "anquilosado" e na "fiscalização preventiva da... lei" pelo qual Raul Varela foi eleito? As decisões ou opiniões jurídicas desse magistrado estão publicadas e ainda não vi até hoje ninguém a se referir a elas com a sobranceria e o desdém que o senhor revela. Nem o vi alguma vez a vir corrigir alguma opinião por a ter emitido sem ler a lei ou a Constituição da República. Julgo que ele é respeitado pela comunidade jurídica nacional pela sua competência e pelo seu profissionalismo. Não consigo pois encontrar qualquer razão para essa fixação do senhor em Benfeito Ramos. Se o senhor discorda de alguma decisão dele, de alguma opinião juridica pela qual ele possa ser pessoalmente resposabilizado, então comente ou critique utilizando argumentos jurídicos que possam ser igualmente rebatidos. Agora, julgar as pessoas, não pelos seus actos, não com objectividade, mas apenas pelo nosso feeleing, ou pela nossa impressão, não me parece, com o devido respeito, ser de Justiça. Pergunto-lhe que responsabilidade pode assacar pessoalmente a Benfeito Ramos pelo deferimento dos habeas corpus? Por acaso chegou de ler o seu voto de vencido sobre a questão da especial complexidade dos processos e a sua directa implicação na prorrogação dos prazos de prisão preventiva. Ainda assim ficou indiferente a essa argumentação? Pode ser até que o senhor se esforce por ser justo e objectivo na sua análise, mas não é isso que deixa entender.

Virgilio Brandao disse...

Sr. Anónimo:
Acho que não entendeu, não quis entender o que escrevi.

O Dr. Bemfeito Mosso Ramos nunca, em momento algum, foi objecto de qualquer crítica minha a não ser que considere que o Ilustre Magistrado seja o «sistema».

Basta ler o que tenho escrito sobre os últimos problemas judiciais em Cabo Verde para concluir que lavra em equívoco – o que terei como natural.

Sou, sempre, justo com todos – como gostaria que fossem sempre comigo; não tento, sou. E nunca, Sr. Anónimo, julguei ninguém – e muito menos o Dr. Bemfeito Mosso.

Pessoa que, já agora – pois entendo um «fishing for cumpliments – teve uma postura ética e que registei com muito agrado ao não de demarcar do erro judicial que foi o deferimento do Habeas Corpus a que se refere.

Foi uma postura institucional, digna de um Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e que registei com agrado.

Assim como registei com agrado saber a sua posição sobre o destino que o HC deveria ter tido – opinião que coincide com a que defendi, excepto num pormenor que não vem ao caso. Sim, defendeu a solução correcta – os outros estavam errados, ele estava certo; mas perdeu na votação. Poderia vir dizer que «votei contra», mas não o fez – e acho bem que não o tenha feito, pois a sua postura é institucional e o Juiz não tem de dar explicações públicas sobre as suas decisões – fá-lo no processo: votando favoravelmente ou não. No caso (de um dos acórdãos – presumo que a sua posição, naturalmente, seja sempre a mesma), emitiu o seu sentido de voto.

Entendo a sua preocupação e as suas posições, mas parece-me que confunde duas coisas: a (a) primeira é que nunca, em momento algum, disse que o Dr. Bemfeito Mosso fosse responsável de seja o que for, nomeadamente do(s) HC(s), a segunda é que (b) eu não sou nem fui mandatado para defender o Dr. Bemfeito Mosso que não precisa nem precisaria disso pois, como lhe disse, o que eu escrevi, em substância, concorda com o seu voto de vencido.

Como vê, a «injustiça» de que me acusa não tem razão de ser. Agora, que o Dr. Bemfeito Mosso e todos os Juizes do STJ são não individualidades mas uma instituição – o Tribunal, um órgão de soberania de que são titulares.

Agora, posso dizer-lhe o seguinte: se, em qualquer momento, tivesse agravado injustamente (nem justamente o fiz) o Dr. Bemfeito Mosso eu tomaria iniciativa de, publicamente, o desagravar. Mas não é o caso. Pena é que não me conheça um pouco, ao menos, para perceber isso; mas a nota que aí vê deveria ser, para si, uma prova disso mesmo: nem a mim mesmo poupo – trato os outros como trato a mim mesmo!

E, Senhor Anónimo, não se pronuncio com sobranceria e/ou desdém sobre nada nem ninguém – se entendeu isso, foi por certo, má interpretação do que digo. Espero que estejamos conversados sobre isso.

Agora, note o seguinte:
Se se vier a pedir a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da Resolução da AN (o que, acredito, venha a ser feito nos termos do Artº.) antes da tomada de posse do novos juízes, o Juiz Conselho Raúl Querido Varela estará impedido de participar na votação.

Para perceber o que disse sobre o Dr. Bemfeito Mosso no escrito precedente, leia o que diz a Constituição e o Estatuto dos Magistrados judiciais sobre esta matéria; sem esquecer que o Dr. Bemfeito Mosso é, também, Presidente Conselho Superior da Magistratura.

Diz o Artigo 275º (Fiscalização abstracta da constitucionalidade) da Contituição:

«O Supremo Tribunal de Justiça, a pedido do Presidente da República, do Presidente da Assembleia Nacional, do Primeiro Ministro, do Procurador Geral da República e de, pelo menos, um quarto dos Deputados à Assembleia Nacional, aprecia e declara:

a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas ou resoluções de conteúdo material normativo ou individual e concreto;

b) A ilegalidade das resoluções referidas na alínea a).»

E enuncia o Artigo 16º (Prazo para a posse) do Estatuto dos Magistrados judiciais:

«1. O prazo para a tomada de posse é de 30 dias a contar da data da publicação do acto de nomeação, eleição ou designação no Boletim Oficial, sem prejuízo de prazo mais restrito fixado na acta de nomeação ou na lei.

2. Em caso justificado o Presidente da República ou o Presidente do Conselho Superior da Magistratura poderá prorrogar os prazos fixados no número anterior, para o máximo de 90 dias.»
Nada de mais.

Mas uma coisa é certa, esta situação – em virtude de compromissos assumidos pelo actual Presidente do STJ – prejudica-o pessoalmente; isso por uma questão que lhe é estranha e que não contribuiu em nada. Mas são coisas a que um servidor público tem de se sujeitar, que emergem do seu dever.

O pior será quem tem competência para isso não fazer nada – pois sujeita(rá) os novos Juízes Conselheiros do STJ a resolver essa questão de forma mais penosa: em sede de fiscalização concreta, fiscalizar a legalidade da nomeação do colega.

Abraço fraterno