terça-feira, 17 de março de 2009

Vou, mas levo a tua memória…
Virgílio Brandão

RUA DESCONHECIDA

Penumbra da pomba
chamaram os hebreus à iniciação da tarde
quando a sombra não entorpece os passos
e a vinda da noite se adverte
como música esperada e antiga,
como um grato declive.
Nessa hora em que a luz
tem uma finura de areia,
dei com uma rua ignorada,
aberta em nobre largura de terraço,
cujas cornijas e paredes mostrava
cores brandas como o próprio céu
que comovia o fundo.
Tudo – a mediania das casas,
as modestas balaustradas e aldravas,
talvez uma esperança de menina rias sacadas –
entrou no meu vazio coração
com limpidez de lágrima.
Quiçá essa hora da tarde de prata
desse sua ternura à rua,
fazendo-a tão real como um verso
esquecido e recuperado.
Só depois reflecti
que aquela rua da tarde era alheia,
que toda casa é um candelabro
onde as vidas dos homens ardem
como velas isoladas,
que todo imediato passo nosso
caminha sobre Gólgotas.
--- in Fervor de Buenos Aires, Jorge Luis Borges

Imagem: Palomas, Antonio Capel

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