terça-feira, 24 de março de 2009

  • SEIS NOTAS E UM DESEJO
1. Aconteceu um golpe palaciano – versão II – na Associação Cabo-verdiana em Lisboa (ACV). Coisas de Comendadores, de sucessão comendícia por cooptação, transvestido de forma eleitoral. Assassina-se, lentamente, uma instituição valiosa e referência da diáspora – mas eu, desta vez, não participarei de nenhum simulacro, nem contribuirei para nenhm enterro ou funeral da ACV como instituição. Há situações a que não se deve emprestar o silêncio. Coisas destas eram esperadas, previsíveis como ontem foi um dia mais, quando o Presidente Pedro Pires lançou uma chuva de medalhas em Lisboa. Dorme-se, muito.

2. Um dia destes a nação despertará, e irá perceber o que é (e o que não é), na verdade, a “Parceria Especial” de Cabo Verde com a União Europeia. Mas se não despertou ainda, é porque, se calhar, não merece despertar. Se, daqui a alguns anos, Cabo Verde conseguir um Acordo de Associação ou algo análogo com a União Europeia a minha alma rejubilará com tal milagre. Pois, hoje por hoje, é do que precisamos neste particular.

3. Li uma entrevista de Eurico Monteiro no Expresso das Ilhas – para não alegrar ninguém. Assume a ruptura com Humberto Cardoso – pessoal, ou do MPD? –, num tom nem sempre elegante, especialmente para um colega de bancada parlamentar. Uma coisa é certa: o deputado Humberto Cardoso fez um mau serviço ao seu partido e à nação quando avançou com um Projecto de Revisão da Contituição. Estas coisas, mesmo quando existem pontos de vista divergentes, são concertadas com o Partido a que se pertence. É o que dizem as boas práticas. A iniciativa em si é válida e aplaudível – o timing e o condicionamento do seu partido (e do próprio processo de revisão) é que não terão sido as mais adequadas. Humberto Cardoso um Tonto? Lá sabe(rá) Eurico Monteiro o que diz. Mas se é assim, haverá por aí, certamente, um Keemo Sabai. Onde está? De onde vem? Para onde vai?

4. Quem vem é o Primeiro Ministro José Maria Neves: estará em Lisboa esta semana. A oportunidade desta visita é, no mínimo, discutível – tendo em conta que parte substancial do Governo português (para não falar do resto da comitiva…) esteve em Cabo Verde há uma semana. Depois de ter “controlado” esses visitantes para estes não contactarem a Oposição, o PM segue as pisadas de Jorge Santos, líder do MPD, e vem a Portugal. A ideia que fica é que poderá vir debelar estragos feitos pelo líder ventoinha em terras lusas. Se não é, parece. A mesma sina, o mesmo fado: magna e desdita fortuna. Ai, Marcus Aurelius Antoninus!

5. Haverá uma ópera crioula em Lisboa – no dia da Mulher cabo-verdiana. Não me lembro de tal coisa ter acontecido em Cabo Verde – mas ainda alguém se lembrará de prometer um La Scala ou um El Liceo para a capital, sem óperas, pois nisso de cantigas só mesmo as mornas para adormecer a alma do povo, e o funanã para fazê-lo esquecer as promessas não cumpridas. Fica bem, uma ópera crioula em Lisboa – a capital de todas as perigranações. Ah, será que Vasco Martins tem um Coro de Escravos berdianos cantando: “Ó minha pátria, tão bela e perdida”, como no Nabuco de Verdi? Ficaria bem – melancolicamente bem à nossa estrutura.

6. A Revisão da Constituição, é um desígnio nacional ou é uma forma de satisfazer interesses laterais da (não) política? Sendo necessária, matérias há em que – claramente – o que se procura é adaptar a nossa Constutuição a compromissos assumidos com a comunidade internacional. A saber, nomeadamente: a Convenção de Extradição da CPLP, os pilares da Declaração Conjunta para a constituição de uma parceria especial entre Cabo Verde e a União Europeia e a assunção futura de um papel de guardião das fronteiras da Europa pelo país.

Isto tudo – melhor, só isto – é bastante para se sacrificar os valores fundamentais da Constituição da República? Não! Nem tudo, nem só isso! Existem outras formas de fazer as coisas, de continuarmos a cultivar o nosso jardim.

7. E falando de jardins… Pudera pedir a Deus para recriar o Mundo, criar um jardim no Jardim, e colocar-me lá – como era no início mosaico. Ser a genealogia dos homens, ter Deus sobre a terra como companhia. Sim, isso mesmo! Graça bastante seria, dizem-me todas as horas; mesmo as pardas. Nicodemos ouviu o bom conselho; eu, vejo-o, almejo-o.

Imagem: Indian warrior, Luis Royo

4 comentários:

Mendes Garcia disse...

Concordo plenamente com a sua analíse no que se refere ao ponto 3. Li a entrevista até ao fim, uma vez que o que me chamou mais atenção foi o tonto usado e abusado para qualificar o pensamento de H.C.
O E.M prestou um mau serviço a Democracia. Está faz-se com argumentos e Dialéctica e não com insultos.

Ecce Homo disse...

Caro dr. Virgilio,
Li a entrevista do sr Eurico, e confeço-lhe que nao fiquei muito surpreendido. Nao è o primeiro que tem atacado (dialecticamente e sobretudo sem uso de substantivos insolentes!) o sr. Humberto Cardoso.
O sr. disse e bem, que o Humberto Cardoso errou ao avançar um projecto publico de revisao constitucional. Lendo a entrevista, ficou-me a dùvida se talvez para o Deputado Cardoso foi a ultima alternativa encontrada! Sabe dado o clima (pessoal ou partidario, como notou bem)....que alternativas terà avido?
Bom, isso nos faz refletir, caro dr, o estado da nossa jovem democracia! Pergunto, os deputados da naçao nao deviam representar os interesses e as expectativas do povo caboverdiano? Pelos vistos, nao sò! Longa serà o caminho para a "terra prometida".
Interessante e condivisivel a leitura do ponto numero 6, que como tenho notado è um assunto que lhe està particularmente "Querido".
Efectivamente, os valores fundamentais da nossa constituiçao nao deveriam representar a nossa identidade nacional?
Se è assim, porque estar, ciclicamente, a tentar meter mao na mesma?
Extraordinario o seu ponto numero 5. Existerà um "Va Pensiero""berdiano"
como metafora da condiçao do caboverdiano sujeito ao eterno TERRA LONGE? Que acha?

Abraço.

Virgilio Brandao disse...

Manuel Garcia,
Dias melhores virão. A paixão tem, também, destas coisas...
Abraço fraterno

Virgilio Brandao disse...

Leon,
deputados da nação devem representar os interesses e as expectativas do povo cabo-verdiano. Temos de ser mais exigentes, pedir mais dos nossos representantes – que seja do do povo e menos do(s) partido(s).

Sabe, temos um profundo problema de identidade política… por isso não temos “valores” de tal forma cristalizados para brilharem nas nossas vidas – mesmos nas noites ecuras da ELECTRA e de decisões e ditos menos felizes.

É… o nosso “Va Pensiero” está em nós, vive em nós: é o paradoxo do imigrante – a nossa terra-longe não é o nosso destino de terra de leite e mel. A nossa terra-longe é o nosso ventre-terra-materna que nos espera sempre na memória. Por isso é que Cabo Verde é, para nós berdianos, "a terra mais bela do Mundo…" o paraíso; o mesmo paraíso que deixamos para terra-longe.

De uma perspectiva mais à flor da pele: Oh!, quantas vezes já chorei ao ouvir uma morna, lembrando-me da minha terra? Muitas, muitas Leon... Sei que «os homens não choram»; mas este chora, de e por amor… quando o pensamento viaja além da mera percepção das coisas, quando o coração deixa de ter amarras e vê mais longe.

Sim, Leon, existe um “Va Pensiero” berdiano – mas nós somos demasiados “machos” ou vítimas de tais seres para o reconhecer (nos dois sentidos) como uma herança de alma; ficamos no folcrore, é mais conformador.

Abraço fraterno

PS: Como é possível não me ser “querida” a Constituição, se ela é a nossa norma fundamental?