- DENÚNCIAS ANÓNIMAS E CARTAS ABERTAS. UMA NOVA FORMA DE FAZER POLÍTICA?
Não gosto de textos anónimos, acho-os um exercício escrotal da covardia – por isso e outras razões ignoro-os. Acusações de foro judicial ou sindicáveis por tal instância – ainda por cima sob anonimato – têm lugar próprio. Mas já dou atenção a textos assinados, identificados no conteúdo e no autor, concordando ou não com eles.
O texto que se segue, enviado por uma pessoa amiga, mereceu a minha atenção, até porque escrito por Antero Lima Coelho, Vereador da Câmara Municipal de S. Vicente. É, em si e pelo autor a visada, um facto político; logo de interesse público.
Não subscrevo o teor desta Carta Aberta nem o seu mote – por vezes ofensiva e acintosa (para a minha sensibilidade) – mas tem factos que merecem ser escalpelizados, sejam as motivações políticas ou pessoais. E, note-se, que me refiro quer às motivações dos factos que o autor refere na Carta Aberta e que imputa à Presidente Isaura Gomes quer às motivações do próprio autor, o Vereador Antero Lima Coelho. É que, como é consabido, a República tem instâncias próprias e adequadas para resolver estas questões; nomeadamento o assédio moral que a mulher do Vereador Antero Lima Coelho é, eventualmente, vítima.
Seja em que circunstância for – esteja a razão de um lado ou de outro – esta forma de manifestar o sentimento político não é coisa própria de um Estado de Direito. E a culpa, aqui, não é do Estado em si mas sim dos seus agentes, dos seus actores políticos. Precisamos de pensar e de agir a pensar mais longe – S. Vicente e o país no seu todo precisa é disto, não de um poder aristodemocrático que pensa que o exercício do poder legitima determinadas acções ou práticas.
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CARTA ABERTA A SENHORA PRESIDENTE DA CAMARA MUNICIPAL DE S. VICENTE
Senhora Presidente,
Fugindo deliberadamente ao politicamente correcto, para que não fique no silêncio das gavetas do seu gabinete, escrevo-lhe hoje esta Carta Aberta, cujo conteúdo julgo ser merecedor do conhecimento público, pela gravidade da sua motivação, pois assenta em mais uma das suas acções de revanchismo político e prática de violência psicológica sobre pessoas, muito a semelhança das práticas que fizeram escola na década de 90 do século passado, no consulado do seu partido.
Senhora Presidente,
Fugindo deliberadamente ao politicamente correcto, para que não fique no silêncio das gavetas do seu gabinete, escrevo-lhe hoje esta Carta Aberta, cujo conteúdo julgo ser merecedor do conhecimento público, pela gravidade da sua motivação, pois assenta em mais uma das suas acções de revanchismo político e prática de violência psicológica sobre pessoas, muito a semelhança das práticas que fizeram escola na década de 90 do século passado, no consulado do seu partido.
Com efeito, senhora Presidente, não podendo V.Exa. exercer qualquer represália sobre a minha pessoa, mormente na minha qualidade de vereador da Câmara que V.Exa. preside, fá-lo a minha esposa, na qualidade de funcionária dessa Câmara e por consequência sua subordinada.
Ainda que de alguma forma pareça advogar em causa própria, não posso deixar de falar da minha esposa, na sua qualidade de funcionária irrepreensível, dedicada, e alvo dos maiores elogios públicos, pela atenção e empenho que sempre colocou na procura de respostas às solicitações de todos aqueles que procuram essa instituição pública. Orgulho-me, enquanto seu companheiro de há mais de três décadas, pelo facto de aqui e no estrangeiro encontrar inúmeras pessoas que se referem a ela como seu farol nessa Câmara.
Todavia, ignorando toda a sua contribuição para a defesa do bom-nome e engrandecimento dessa instituição, V.Exa. não coibiu de numa das suas decisões, que consubstancia num acto de saneamento compulsivo, consumar aquilo que já se vinha comentando em surdina, que era seu objectivo afasta-la do edifício sede do Município, que é como que dizer do contacto com o público, transferindo-a para a Biblioteca Municipal, colocando-a no desemprego técnico, pois aí nada vai fazer, como é aliás convicção da própria Directora daquele Serviço. Outrossim, operação que começou já no seu primeiro mandato, quando a afastou do Gabinete Técnico, maugrado ela dominasse todas as tarefas atribuídas ao staff administrativo daquele departamento, tudo para deixar livre o caminho ao que viria e que se conhece.
É claro que esta é uma oportunidade para si de a afastar, mas compreendo que também esta decisão enquadra num plano de limpeza de incómodos, dir-se-ia uma operação de “eliminação de fontes”.
Na verdade, V.Exa. e seus colaboradores que formam a panelinha municipal de S. Vicente, afastaram todos aqueles que estavam colocados em pontos tidos como sensíveis e capazes de constatar irregularidades e ilegalidades, desterrando algumas dessas pessoas, por sinal dos melhores que aí laboram.
É assim que são afastadas as dedicadas funcionárias da Secção de Impostos, desterrando uma delas, imaginem, para a Oficina Municipal e a outra colocada na Secretaria, sob a chefia de uma funcionária de categoria muito inferior (esta é Assistente Administrativo e aquela Oficial principal), ainda que a contra-gosto dessa funcionária, que acha ser descabido ser ela a chefiar aquela oficial.
“Limpou” de novo o Gabinete Técnico, promovendo para aquele lugar quem? A funcionária de quem se ouve as maiores criticas e contestações e um funcionário, não menos criticado, de tal modo que se fosse o interesse público que movesse V.Exa., no mínimo teria movido um inquérito para saber o que exactamente se passa naquela Secretaria. E como se não chegasse, esta sua eleita leva debaixo dos braços não só o Serviço de Cadastro mas parte da Secretaria, e possivelmente parte da tesouraria, tal como acontecia com ela na Secretaria, tudo para guarnecer a patuscada.
Todavia, pode crer, Senhora Presidente, se sabemos alguma coisa, se é dito que há uma negociata de terrenos feitos naturalmente com a cumplicidade de altos responsáveis do município. Se circula a informação de que há quem foi dado grande extensão de terrenos, que foi transformado em lotes e que são vendidos por quantias avultadas, com contratos de muita duvidosa legalidade. Se se diz por aí que, para mais, ainda hoje terrenos desses são devidos à Câmara pelo comprador inicial. Se se diz ainda que muitos desses “rabidantes” de terrenos são os maiores devedores da Câmara mas que isso não os impede de obter todos os documentos, nomeadamente as certidões que lhes permitem fazer os seus negócios, contra todas as regras estabelecidas. Se tudo isso e mais é dito, senhora Presidente, contudo enganou-se ao pensar que são essas nobres funcionárias quem passa essas informações.
E você sabe que ninguém vai se espantar se tudo, de facto, vier a confirmar-se. Afinal, somos filhos de portugueses, deles herdamos o bem e o mal. Já uma vez perguntei-lhe se lera o livro da célebre procuradora portuguesa, Maria José Morgado e o jornalista José Vegar, intitulado “O Inimigo sem Rosto”. Disse que não e aconselhei-a a lê-lo. Pois, sou tentado a citar-lhe aqui as seguintes passagens do livro: «não é por acaso que uma sondagem recente, feita pela empresa Marketest para o jornal Diário de Notícias, com uma amostragem de 811 indivíduos, revela que 78,2 por cento dos inquiridos considera que “a corrupção é um mal generalizado nas autarquias portuguesas”. Diz mais: “De entre as práticas corruptas identificáveis e concretizadas, a mais antiga, (…) é a extorsão pura as empresas”. Continua dizendo que «o dinheiro obtido serve para financiamento partidário mas também para enriquecimento pessoal do ou dos funcionários. A base de negociações normalmente respeita aos licenciamentos camarários de obras e projectos, (…) sobrefacturação de serviços, (…) adjudicação directa de serviços a empresas favorecidas, (…) apropriação de meios camarários para uso próprio (…), violação dos Planos Urbanísticos». Diz ainda que: «Os PDM’s, que são a forma encontrada pelo Estado para um ordenamento controlado do território, transformaram-se numa presa fácil de determinados interesses, pela possibilidade de negociação que permitem. São aquilo a que se chama uma “pastilha elástica” devido ao seu infinito poder de moldagem por parte dos decisores». E conclui dizendo: «Concretamente, os PDM’s pertencem aquela classe de regulamentos onde “o plano é rígido mas a prática é mole”.
Estamos todos tranquilos que na nossa Edilidade nada disso acontece. Ou não é assim? E é por isso que pergunto porque reprimir violentamente pacatas funcionárias, em “forma de «eliminação de fontes», se se tem a consciência tão tranquila???
Estamos tranquilos, porém, não sei se será possível negar que há empresas de amigos e até vereador, que por interpostas pessoas executam obras de adjudicação directa; que há empresários afectos comercializando enormes porções de terreno; que há os célebres “arranjos” nos PUD’s, essa pastilha elástica, como foi, entre muitos, o recente “arranjo” no Alto Fortinho, onde bons amigos e altos funcionários da Câmara foram os destinatários. Há trabalhador que foi contratado para as obras da Câmara, vencendo um salário diário, mais tarde colocado nos escritórios, e que num lapso de tempo acumula uma riqueza patrimonial espantoso, isto é, prédios urbanos, loja, carros, para além de viagens e outros gastos que denunciam um alto nível de vida. Ou ainda Fiscal que em pouco tempo acumula um património invejável. Sempre se podia perguntar que heranças patrimoniais receberam essa gente, não é?
Por isso e mais, essa acção revanchista sobre essas pessoas em referência é um atalho perigoso para si. - Vou lhe contar algo muito importante, para que saiba governar-se face ao que lhe espera: você manda em tudo e todos na Câmara, mas amigos quem os tem aí somos nós.
Além do mais, o que você não entende ou não quer entender é que essas práticas, confirmadas ou à confirmarem-se, processar-se-ão em rede e sobretudo envolvem terceiros, que sempre podem falar de como adquiriram isso ou aquilo.
Todavia, o seu revanchismo, neste caso, não será irremediável, pois você ao colocar essas pessoas naquelas situações, viola gravemente os seus direitos como trabalhadores e, (in)felizmente, o que você não sabe é que a lei cabo-verdiana as protege e a questão será tratada em lugar próprio.
Covardia e Malvadez puras. Enfim, a vida nos ensinou que há gente feia por fora mas muito bela por dentro; há gente bela por fora mas ruim por dentro. Há quem seja bela por fora e por dentro. Você, porém, não pertence a nenhum desses grupos…
E quase a finalizar, há uma ilusão sua que não posso deixar de comentar aqui e gora. É a de como você chegou ao poder. Sim, é verdade que foi por eleição. Mas nisto de eleição, costumo ser curto e grosso, lembrando que também Adolf Hitler foi eleito. No seu caso, diferentemente dessa áurea que tem pretendido criar à sua volta, gabando-se de ser a expoente máxima de competência, mulher Sol, etc., eu sei que não é assim. Eu sei que um dos seus maiores complexos é saber que os seus subalternos sabem que, em matéria de administração, você é de uma incompetência gritante e nessa matéria depende de um pequeno núcleo, de comportamento duvidoso, que lhe está a induzir em erros e ilegalidades graves, conduzindo-a, quiçá, para um lamaçal.
Melhor dizendo, V.Exa. está no poder não por nenhum mérito pessoal, mas por demérito do PAICV, que mal preparou as suas candidaturas e sobretudo cometeu erros irrecuperáveis na campanha eleitoral de 2004.
Sabe a senhora Presidente que eu sei que não é capaz de organizar as suas ideias e expô-las com o mínimo de coerência. As suas reuniões são um emaranhado de ideias confusas porque desorganizadas, razão porque permanentemente perde-se e não sabe qual o assunto em discussão.
Esta, senhora Presidente, não será a última, mas apenas a primeira, de um combate sem tréguas. A sua repressão à minha esposa e as suas colegas só nos dá ânimo para o combate, pois, não sabe mas agora deve ficar a saber que a mim as trincheiras para o combate contra o despotismo dá-me um enorme conforto espiritual e uma força quase inexplicável.
Mindelo, 03 de Março de 2009
Antero Lima Coelho
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3 comentários:
Da que pensar se o actual modelo de fiscalização e controlo da coisa pública, é o mais adequado, oportuno e eficaz para e em Cabo Verde?
Anónimo das 11:52:00:
Tudo deve ser questionado, a todo o momento, em particular as coisas que revelam fragilidades.
Agora, a crítica não pode ser espúria: tem de ser sustentada e, se possível (e essá é verdadeira dimensão da "crítica") apresentando-se soluções para o que consideramos falido ou inadequado.
Volte sempre
Nunca fui espúria nas minhas críticas. E aqui não critiquei, apenas constatei um facto.
VB, como é possível que o Tribunal de Contas de CV demore, em média, 6 a 8 anos para julgar as contas públicas? Há um esforço agora, que passa para dois anos. Mas isto é eficìência, é oportunidade? Lembro-me a propósito das contas do ex-CENFA, actual Escola de Negócios e Governação (ex-INAG), em que na década de 90, colocou-se um anúncio no jornal, a citar o então presidente Dr. Manuel Brito, ausente em Moçambique, para justificar, no prazo indicado, despesas feitas no antigo Centro de Formação, há mais de dez anos, para que o então TC pudesse julgar as ditas contas!!!??? Isto é verídico, aconteceu. E estão aí os registos para quem quiser confirmar. A este propósito, lembro de ter escrito uma carta aberta, no jornal "A Semana", sobre o assunto, "zombando" com a carictura da situação. Imagina se as contas não pudessem ser quitadas, a quem pedir responsabilização, se no caso concreto, o então Presidente ou Director encontrava-se fora do país?
Por isso que disse que o modelo de fiscalização em CV deve ser repensado. Conheço a prática fiscalizadora, e preocupo-me, enquanto cidadã e contribuinte crioula, com o efeito útil imediato, e prático da mesma.
Pelo que questionei no 1º comentário, não é uma crítica "light", nem tão pouco inocente!
Para mim, o importante das regulações, fiscalizações, controles ou supervisões públicos, é o seu efeito prático e útil.
Aliás, como bem disse ontem Medina Carreira na entrevista à SIC Notícias. Ele perguntou mais ou menos o seguinte: neste país (PT) com todos os escandâlos de corrupção dados a conhecer, houve alguêm da bola, da política, ou do empresariado que está na cadeia?
Boa pergunta!
Quedo-me por aqui.
Tarde boa
;)
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