sábado, 14 de março de 2009

«A beleza é uma coisa terrível e espantosa. […] No seio da beleza as duas ribeiras se encontram e todas as contradições coincidem», Dostoiévski.
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  • TODOS OS HOMENS TÊM ALGO DE ESPANTOSO EM COMUM
[…]

«Homem, sê nobre!

De quem é este verso?

Aliócha resolveu esperar. Compreendera que toda a sua actividade, com efeito, estava talvez concentrada agora naquele lugar. Mítia ficou um momento pensativo, de cotovelos sobre a mesa, a fronte na mão. Ambos mantinham-se calados.

— Aliócha, somente tu me escutarás sem rir. Gostaria de come­çar... minha confissão... por um hino à alegria, como Schiller, An die Freude! Mas não sei alemão, sei somente que é An die Freude. Não vás imaginar que tagarelo sob o domínio da embriaguez. Para em­briagar-me são precisas duas garrafas de conhaque.

Como Sileno vermelho
No seu asno vacilante.


Ora, não bebi um quarto de garrafa e não sou Sileno. Não Sileno, mas Hércules, porque tomei uma resolução heróica. Perdoa-me essa aproximação de mau-gosto, terás bem mais outras coisas a perdoar-me hoje. Não te inquietes, não invento, falo seriamente e vou directo ao facto. Não serei duro ao disparo como um judeu. Espera, como é que é mesmo?

Ergueu a cabeça, refletiu, depois começou a recitar com entusiasmo:

Nu, tímido, selvagem, se ocultava
O troglodita nas cavernas;
O nómada nos campos pervagava
A devastá-los sem cessar;
O caçador com sua lança e flechas,
Terrível, as florestas percorria;
Desgraça para os náufragos lançados
Pelas ondas naquela praia inóspita.

Das alturas do Olimpo, Ceres
Desce, à procura de Prosérpina,
Ao seu amor arrebatada;
A seus olhos o mundo é todo horror.
Nenhum asilo, nem mesmo oferendas
À deusa são apresentadas.
Aqui não se conhece culto aos deuses,
Nem templos há para adorá-los.

Os frutos do pomar, as uvas doces
Não alegram nenhum festim;
Só os restos das vítimas fumegam
Sobre as aras ensanguentadas.
E em vão de Ceres vaga o triste olhar;
Por toda parte avista o homem
Numa profunda humilhação.

Soluços escaparam-se do peito de Mítia; agarrou Aliócha pela mão.»
--- in Fiódor Dostoiévski, Os Irmãos Karamazov
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Este livro está entre as minhas obras literárias de eleição. A minha lista, inacabada, está aqui. Se desejar vê-la, siga o link.

1 comentário:

Anónimo disse...

Hum! Na beleza dos seios .... as duas ribeiras se encontram ..... na contradição....

Gostei! Amei! E imaginei...

;)