quinta-feira, 5 de março de 2009

  • COMPRA DE VOTOS: ARGENTOCRACIA, JUSTIÇA E EDUCAÇÃO, Mateus Milhomem de Sousa *
As eleições de 2008 bateram recorde de denúncias de compra de votos, avolumando percepção de que caminhamos para uma argentocracia, ou governo pelo dinheiro. As teses lançadas são gerais e não representam nenhuma corrente política em particular.

A denúncia. Este crime é denunciado pelos políticos perdedores e o próprio povo, via Ministério Público. Prefeitos e vereadores eram empossados de manhã e, à tarde, já participavam de audiência em ação de impugnação de mandato eletivo.

Uma evolução. No passado o voto era proibido. Passamos pelo indireto, inclusão da mulher e pelo voto de cabresto. Nesta linha, a compra de votos, câmbio oficial e paralelo, é uma evolução, faltando chegar ao voto consciente.

Identificação. É crime comum e, ao mesmo tempo, institucional, pois corrompe a democracia. No passado, para a cassação, exigia-se potencialização da conduta e esgotamento de recursos. A primeira iniciativa popular legislativa deste país, Lei 9.840/99 (clique aqui), inovou em seu artigo 41-A, possibilitando o afastamento imediato do político mesmo por ato isolado de captação ilícita, consistente em "doar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública".

O problema. Faz parte do inconsciente coletivo brasileiro a naturalidade da compra de votos. Em audiência, manifestando-se a platéia sobre qual seria mais culpado, o político que oferece ou o eleitor que pede, houve consenso de que a culpa maior seria dos políticos pois, se nenhum pagasse, os eleitores mais suscetíveis ficariam impossibilitados de vender o voto; e, se trabalhassem melhor, não haveria necessidade do benefício imediato em troca do esquecimento futuro. Verifica-se ainda, nas esferas federal, estadual e municipal, a troca de apoio político por ministérios, cargos e indicações, forma aprimorada da compra de votos.

Necessidade de dupla virtude. A democracia possui mão dupla: os partidos devem indicar bons nomes e os eleitores devem ter capacidade de analisá-los. As fichas sujas, somadas ao fraco desempenho de nossa educação, demonstram nosso estágio de desenvolvimento.

Importância da política. Para um país onde estradas duram menos que roupas, um idoso não consegue caminhar na calçada irregular e favelas cercam as cidades, é importante não descuidar-se do processo de escolha.

Novos problemas. Existe limitação da Justiça para apurar a compra de votos, pois é crime clandestino e multifacetado, ocorrendo muitas vezes no lar do próprio eleitor. A votação apenas pode ser contestada por prova segura, para afastar a hipótese de armação política ou perseguição. A dificuldade da prova, somada a depoimentos de pessoas que possuem lado político mas, em juízo, dizem que venderam o voto para outro, deram origem ao denominado eleitor-capitu, insondável para fins judiciais.

O que fazer? Recente sentença sobre compra de votos apontou caminhos a serem debatidos:

- Financiamento público de campanha. Democratizar o acesso à política e evitar o ressarcimento do dinheiro gasto na campanha pelos políticos no poder.

- Renovação democrática das opções.

- Maior responsabilidade dos partidos por suas indicações. Políticos condenados pela Justiça também bloqueariam os partidos que os indicaram durante certo tempo, para aqueles cargos.

- Redução do número de partidos políticos e cláusula de barreira, combatendo-se o uso desvirtuado da legenda.

- Qualificação dos candidatos. Profissionalização e não improvisação, mesmo porque numerosos cargos e funções são escolhidos por critérios políticos. Até hoje existe a necessidade do teste de alfabetização em alguns candidatos indicados pelos partidos.

- Metas de produtividade. Aferição objetiva, tornando a responsabilidade mensal, e não somente lembrada em período eleitoral.

- Eleições gerais. Com periodicidade a cada quatro anos, reduzirá a compra de votos, evitará o mandato trampolim com negociação do vice e trará maior responsabilidade para os partidos, aumentando os nomes disponíveis.

- Redução do prazo para a posse. O período eleitoral e a posse são prolongados demais para um país que precisa avançar.

- Revisão do quociente eleitoral, pois vota-se no escuro.

O voto obrigatório evitará a colocação em comércio do facultativo. Deve-se proibir cabos eleitorais, forma disfarçada de compra de votos da família inteira.

Peso nos votos. Para estimular o debate educacional, como o voto é a linguagem dos políticos, lançou-se raciocínio com efeito provocativo, onde o eleito não seria o que tivesse mais votos, mas, sim, os que tivessem mais pontos, de acordo com a escolaridade. Os políticos seriam forçados a investir melhor em seu povo que, mais instruído, fortaleceria as instituições, criando feedback positivo. Optou-se pelo silogismo para chegar-se à conclusão da importância da temática educação para a democracia, e apenas.

Oclocracia X Educação. A mente humana é o único local em que, quanto mais se coloca, mais cabe. Tirar o direito a uma educação digna de grande parcela do povo brasileiro, principalmente na infância, tem o efeito de uma paralisia social, além de constranger o poder ao desejo de agradar incondicionalmente as massas. Boa educação não significa honestidade, mas é o começo de tudo.

Democracia exigente. Em tempos onde o professor, mal remunerado e equipado, não sabe se irá apanhar em sala de aula, onde nossos estudantes ocupam os últimos lugares em comparações internacionais e as faculdades adquirem caráter fast food, a educação deve ser de qualidade, e não apenas para constar, eliminando-se o analfabetismo funcional diplomado.

Raciocínio matemático. Em média, um voto pode ser adquirido por R$ 100, significando R$ 2,00 por mês em quatro anos. Sendo o salário mínimo de R$ 465, continuando o eleitor desempregado em decorrência do lento desenvolvimento brasileiro, amargará um prejuízo de 23.250% ao mês.

Conclusão. Sendo a compra de votos uma ameaça, temos todos o dever funcional e moral de combatê-la. A educação com qualidade é a legítima defesa da democracia, e a melhor infraestrutura de um país.
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* Mateus Milhomem de Sousa é Juiz de direito em Aurilânia/GO. Este texto foi publicado em
Migalhas, um dos sites mais interessantes sobre questões jurídicas da ordem jurídica brasileira.
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  • Imagem: Boris Vallejo - Angels & Demons

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