sexta-feira, 31 de outubro de 2008

  • O MEU POETA – NÃO TENHO NADA A VER COM ISSO

Amanhece em Lisboa. Uma luz branca cobre os céus e viola cada bocado de telha ou horizonte que apanha universal. Chove. Chove copiosamente em Lisboa.

Da janela – sofrida de frio – sorvo o aroma chuvento, escuto passarinhos cantando e vejo outros voando apressadamente. Penso que uns convidam ao namoro e outros correm para o convite Ah, queria, agora, uma madrugada quente à beira-mar e sol da meia-noite fundando-me a pele, negrando-me... chegar às portas do paraíso.

Sou – virtualmente atropelado e transladado dos meus pensamentos e de um orgasmo de saudade e de sentidos – interrompido pelo meu poeta que me fala de lixo e da minha outra mãe. Vencido, pergunto-lhe:

– Já reparaste, meu poeta, que o documento assinado pelo representante de Cabo Verde com as duas outras partes – a Globale Entrepreneurial Endeavours, LP e a Global Waste to Energy Corp – para a aquisição de equipamento de tratamento de resíduos sólidos tem uma falha?

– Não tenho nada a ver com isso – respondeu o meu poeta.
– Mas, meu poeta…

– Ok… tens razão, VB. Deixa-me lá ver isso…

O meu poeta olhou, olhou… leu e releu a folha derradeira a modos de copista.

– Então?... – perguntei-lhe.

– É, VB, tens razão. Falta uma assinatura… – disse-me, curioso e meio espantado.

– Sim, meu poeta. Falta a assinatura da Global Waste to Energy Corp, a empresa que fornece e comercializa o equipamento – volvi.

– Mas, diz-me, VB, é normal o representante de um Governo assinar documentos assim; sem a presença de todas as partes, de se comprometer sem que a outra parte o faça? Isso não é, normalmente, feito em documento normalizado pelo Estado e com certas formalidades e cuidados?

– É sim, meu poeta… normalmente e por regra é…

– Mas então…

– Então o quê, meu poeta? – resmungo, meio enfadado com o frio que bate à janela – assim como uma árvore siberiana desnuda às portas do inverno.

– Sabes as consequências disso, não sabes VB?

– Oh, meu poeta! Mas não haveria de saber… claro que sei!

– Então, VB, diz-me lá, diz-me lá quais são ou deverão ser as consequências…

– Meu poeta, vai dar uma volta! É Global… mas, como dizes, não tenho nada a ver com isso. E tu também, intchide!

– Mas, VB… – insistiu o meu poeta – quem é a FREEDOM e a Biosphere Development Corporation?

– Meu poeta, como já te disse, não temos nada a ver com isso! Pergunta ao Director Geral da Industria e Energia de Cabo Verde, ao Ministro da tutela, ao Primeiro Ministro… devem saber responder-te.

– Pois… e depois vens cá com essa de cidadania activa que cá te conto… – rematou o meu poeta, justamente aborrecido.

– Oh! Ok, meu poeta, ok… Não tenho nada a ver com isso, mas deixa cá ver…

E o dia está frio, frio e belo. Belo como a memória dos pássaros que vi voando; voando como o meu pensamento para as portas do paraíso; o paraíso não possível a dois passos do silêncio. «Amo-te, é a vontade do céu» – escuto o outro poeta.

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