segunda-feira, 20 de outubro de 2008

  • ODE A ÁFRICA, Pedro Cardoso
Aos delegados portugueses ao Congresso
Pan-Africano em Bruxellas e Paris (1921)
.
Africa minha, das Esfinges berço,
Já foste grande, poderosa e livre
Já sob os golpes do teu gládio ingente
..............................Tremeu o Tibre!

Como o soberbo baobá frondente,
Os longos braços levantando aos céus,
Ao longe fôste em inberinas pragas
..............................Erguer troféus!

Do Tigre os vales e da Ibéria os ecos
O nome teu em tempos aprenderam;
E ao teu poder da babilónia os filhos
..............................Valor perderam!


Dos teus ousados barinéis ovantes
As ondas bravas do Interior aradas,
Por longos anos de opressão gemeram
..............................Avassaladoras!

Entre os antigos já Cartago e Egipto
Foram empórios de poder e fama.
Por fim caíram... foram-lhe Calvário,
..............................Pelúzio e Zama.

Sim, fôste grande, dominaste o Mundo;
Mas hoje jazes sem poder, sem nada.
E ao férreo jugo das potências gemes
............................ Manietada.

Sôbre o teu corpo, ó meu lado leão dormente,
Vieram sôfregas nacões sentar-se
E, quais harpias truculentas, feras,
..............................Nele cevar-se...

Ó Pátria minha idolatrada e mesta,
Quando nos campos de batalha erguias
Teus estandartes, forte, não sonharas
..............................Tão tristes dias!

Se foste tu quem acendeu o facho
Que fez da Grécia a glória peregrina
¿Porque hoje vergas para o chão a fronte
..............................Adamantina?!

Vós que do túmulo dormis à sombra,
«quebrando a lousa do feral jazido»,
Surgi! erguei-vos dêsse pó, guerreiros
..............................Do Egipto antigo!

E tu, Aníbal, imortal caudilho,
Que a teus pés viste Roma prosternada,
Ergue-te e empunha novamente a lança
..............................Pela Líbia amada!

Cavalheiroso Abdel-Kader e Négus
E vós, valentes filhos dos sertões,
A lanças, chuços, expulsai-me todas
.............................Essas nações!

Mas ¿que digo? Antes repousai, guerreiros!
Bemvinda seja a paz, seja bemvinda!
Longe canhões a vomitar metralhas,
..............................E paz infinda!

Africa minha, das Esfinges berço,
A voz escuta que te chama e brada:
¿Não vês àlém erguer-se no horizonte
..............................A madrugada?

Por tanto tempo à luz cerraste os olhos,
A doce lei de Cristo desprezando.
Mas eis agora o fim da ignava noite
..............................E o sol raiando!

Curvai os ramos ´té o chão, olaias!
Leões, rugi da vossa soledade,
Saüdando a estrela fulgorosa e linda
..............................Da liberdade!

Deixai, deixai que se derrame prestes
A luz da fé no inóspito sertão,
E, a-par-e-passo, profligando as trevas
..............................A da instrução!

Missionários mais que heróis ousados,
Sede bemvindos! Nobres mensageiros
Da Boa Nova por Jesus pregada,
..............................Sóis verdadeiros!

Não cobiçais riquezas deslumbrantes,
Não vindes, não, pelo oiro que seduz;
Ferro homicida não vibrais: vossa arma
..............................É uma cruz!

No cumprimento da missão sublime
Tudo afrontais em nome do Senhor:
Golpes, insultos, frio e fome, doenças,
..............................A morte, o horror!

Buscar não vindes, trazer sim, pioneiros!
Da augusta crença a árvore frondosa
Plantai, Apóstolos da paz, na Líbia
............................Triste e inditosa!

Chamai seus rudes e tisnados filhos
- Almas de neve em corpos de carvão –
Como Jesus outrora às criancinhas
............................Pelo Jordão!

A amar as lusas quinas ensinais-lhes
E a orar a Deus na língua de Camões!
Breve outros vates ouvireis cantando
...........................Novos varões!

Senhor, que sois tão poderoso e justo,
Olhos volvei todo piedade e amor
Para esta terra miseranda e espúria!
...........................Senhor! Senhor!

..............................***

Egipto! berço da Isis lacrimosa,
Do sacro Nilo de caudais enchentes:
Pátria do Faraós armipotentes
E da Hipatia e Cleópatra formosa!

Se hoje a Tebas de portas cem, famosa,
Envolve o manto de areais candentes,
Ninguém ainda os enigmas transcendentes
Desvendar pôde à Esfinge portentosa!

Ergue-te, pois! e o jugo anglo-otomano
Sacudindo, proclama soberano
A tua independência entre as nações!

Que no halo envolto de uma glória infinita,
Do alto dessas pirâmides ainda
Lanças ao mundo rútilos elarões.

..............................
***

Vós sois, vós sois Pirâmides de Menfis
De heróicos feitos poema imorredouro
Em que se gravam dos Menés os nomes
..............................Em letras de ouro!

Sim, ¿quantos séculos tombar já viste? Milhões!...
E não obstante, ei-vos de pé ainda,
..............................Celsos padrões!

Do tempo das iras afrontais impávidas,
Como do Líbano o gigante anoso
Do forte noto triunfante arrosta
.............................O açoite iroso!

Rubras de glória, as Águias napoleónicas
Vistes passar altivas, vencedoras...
¿E hoje, que é delas? Pó e cinzas, trevas
..............................Aterradoras!

Cantai, tem cada povo sua Ilíada!
Cantai da Líbia sempiternas glórias!
¿Que pergaminhos há de tão brilhantes
..............................E altas memórias?!


· Nota: a transcrição deste poema de Pedro Cardoso respeita a grafia e a forma dadas pelo autor na sua época.


  • Imagem: in Prohibited Book, Luis Royo

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