sexta-feira, 24 de outubro de 2008

  • A CADUCIDADE DO MANDATO E A CESSAÇÃO DE FUNÇÕES DOS JUÍZES CONSELHEIROS NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE CABO VERDE
O país já parou para pensar nas consequências jurídicas de haver juízes do Supremo Tribunal de Justiça a exercerem a função jurisdicional para a qual foram eleitos ou nomeados com o mandato caducado ou com cessasão de funções (como acontece com o Juiz Conselheiro Raúl Querido, nos termos da Artº., 42º., nº1, alínea a) da Lei nº.135/IV/95 de 3 de Julho)? Parece-me que não!

Onde anda a Governo, a Oposição, a Ordem dos Advogados, a Procuradoria Geral da República e, mais, o Presidente da República – garante do bom funcionamento das instituições democráticas? É nestas coisas, além de outras mais, que o instituto da Fiscalicalização da Inconstitucionalidade por Omissão faz falta ao sistema constitucional cabo-verdiano e que, espero, venha a ser integrada na próxima revisão constitucional.

Estava à espera que o Presidente da República tivesse uma palavra de exortação sobre esta matéria no discurso de abertura do ano judicial; mas não teve. Se calhar, penso, deverá estar a pensar em chamar à Presidência da República os agentes responsáveis pela reforma do Supremo Tribunal de Justiça e ter com eles uma conversa de Estado que, há muito, se justifica neste plano.

É que a justiça não legitimada nos termos da lei não é justiça constitucional; é uma decisão de técnica jurídica em forma de usurpação dos poderes dos órgãos de soberania e não de Direito. Resulta uma evidência que todos os actos processuais em que o Juiz Conselheiro Raúl Querido intervenha se se encontram feridos de nulidade; o que resulta do facto da situação jurídica do do mesmo, por ter cessado funções, não ser de membro efectivo do Supremo Tribunal de Justiça.

As consequências disso são – para o sistema judiciário e a segurança jurídica que o Supremo Tribunal de Justiça deveria dar e alimentar – catastróficas. Não é somente uma situação de desprestígio da função do Supremo Tribunal de Justiça, é um atentado às regras básicas de um Estado de Direito. Sem mandato ou titularidade legal da função não se pode exercer os poderes inerentes à função jurisdicional.

Se o Tribunal Constitucional estivesse em funcionamento – e em estrutura diferente da que existe no presente momento – esta situação não acorreria ou, se se verificasse, teriamos um caos judiciário. Imagino o que teria acontecido nas últimas eleições presidenciais se o candidato Carlos Veiga tivesse levantado esta questão (que é de conhecimento oficioso, diga-se de passagem...) perante o Tribunal Constitucional.

Basta(rá) pensar um pouco. É hora da Assembleia Nacional assumir as suas responsabilidades legais e constitucionais (nomeadamente, nomear o Juiz Conselheiro que substitua o Juiz Conselheiro Raúl Querido nos termos do Artº.8º., nº.3 da Lei nº 135/IV/95 de 3 de Julho), pois com Justiça não se pode fechar os olhos; só ela pode fazer isso. Ademais, a Assembleia Nacional não é coutada dos partidos e dos seus interesses; é o fórum de discussão dos direitos e interesses legítimos do povo cabo-verdiano.

E, não nos enganemos, a solução deste problema não passa, necessariamente, pela reforma da Lei sobre Estatuto dos Magistrados Judiciais, pelo Estatuto dos Magistrados do Ministério Público nem da Lei sobre a Organização e Competência dos Tribunais Judiciais. É, de todo, uma questão bem mais urgente – se é que não se pode chamar urgente à reforma necessária do simulacro de recurso que é o recurso ao Tribunal Constitucional nos termos em que se encontra, de momento, composto.

O homem não é a função que desempenha, nem deve se confundir com ela.

  • Salvador Dali, Untitled (first study for 'The Three Glorious Enigmas of Gala'), 1982

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