quarta-feira, 8 de abril de 2009

  • O INFERNO DE FUJIMORI E A ÉTICA DO HUMANO
Fujimori, ex.Presidente do Peru, disse durante o seu julgamento que teve de governar o país no «inferno» e que a sua estratégia de pacificação do país foi adequada e bem sucedida. Pode ser até que sim, que seja verdade; que tenha tido uma política económica sustentada e sustentável, que tivesse uma estratégia política… que tenha liberto o país dos terroristas do Sendero Luminoso, outros terroristas and so on. O problema é que os meios utilizados não foram os melhores, e não tinha de levar o inferno às pessoas – e foi isso que aconteceu a inúmeros cidadãos peruanos. É a velha questão de se saber se os fins justificam os meios e, mais ainda, de percebermos que vivemos num Mundo em que a bitola com que esse julga as pessoas não é a mesma – a Norte é uma coisa, a Sul é outra.

Dir-me-ão que não, que não é verdade. Mas então, pergunto: e as políticas de George W. Bush, como é que são julgadas – além da retórica da sua pseudo estupidez, como se esta justificasse o mal? E não diz Barack Obama, com todas as palavras, que I (we) will kill Osama Bin Laden and destroy Al Qaeda? Sim, diz. Mas alguém pensa(rá) que isso é um mal? Não, (quase) todos – na esfera dos países ditos desenvolvidos – querem ver Bin Laden morto e a Al Qaeda erradicada do mapa da sociedade, assim como se queria a destruição do Sendero Luminoso no Peru governado por Alberto Fujimori. Este usou todos os meios necessários, na sua perspectiva.

Qual é o preço que se tem de pagar para livrar uma sociedade de um grupo terrorista ou de uma criminalidade altamente organizada? Esquadrões da morte, guerras sujas, Guantánamos, Abu Graibs, guerras como as do Afeganistão, agressões como as do Iraque são necessidades, condenar-se a morte os Shadam Husseins e as famílias e apoiantes políticos, abater-se cidadãos em directo pela televisão… – são fatalidades da acção política em defesa da sociedade? Não me parece que assim seja ou deva ser. A verdade é que não pode valer tudo – tem de haver alguma coisa, um maius ético que diferencie os terroristas homicidas e a sociedade que atacam, pois se assim não for, a sua acção se legitima pela violência, pela ausência de valores que se coloquem como balizas éticas de toda a acção social; seja ela de acordo com a “normalidade” social seja nas margens da mesma.

Por muito que sejamos tentados a retribuir o mal com o mal, há que resistir a isso, não ceder ao mal com retribuição e, assim, ser vencido por ele. O mal se vence com os valores, com o bem e com a dimensão de tratar o outro como gostaríamos de ser tratados. Da perspectiva dos resultados políticos, a acção de Fujimori e os seus esquadrões de morte secretos que procuraram e conseguiram a pacificação do Peru pode ser vista como um bem; mas da perspectiva dos valores que enformam um Estado democrático tal é uma acção ilícita, criminosa e que não se diferencia(va) da acção do Sendero Luminoso.

Não é em nome do quê é que se mata que legitima o homicídio voluntário; sejam razões revolucionárias, religiosas, ou de Estado, está-se perante homicídio. Se é verdade que o fogo também se combate com fogo, não é menos verdade que a forma natural de acabar com o fogo não é o fogo. E para se acabar com o inferno não é preciso levar-se o inferno seja onde for e/ou a quem for. Parece tautológico, mas não é. O Mundo – as pessoas que representam a parte poderosa do Mundo – não pensam nem ajam assim. O Peru, parece dizer – pelo menos formalmente – que não é assim; que primeiro estão os valores, que em primeiro lugar está a vida e que contra esta não existem nem princípios nem razões de utilidade dos fins do Estado.

Mas esta questão, que tem uma dimensão ética clara no que diz respeito ao sentido de escolha política, encontra-se profundamente ferida e, sem que nos tenhamos apercebido, cedemos parte da nossa liberdade para garantir a nossa segurança. Porque é necessário – dizem-nos. Mas quanta liberdade mais é que teremos de ceder – a que mais é que teremos de fechar os olhos, fingindo que não vemos? Existe uma «guerra» (deixemos de lado o aspecto técnico) contra o terrorismo, sim; mas existe uma outra, bem mais profunda e que terá custos bem maiores para a humanidade: um ataque aos valores que fundaram e têm sustentado as sociedades e a comunidade internacional no último século.

A ideia de construir uma Civilização do Amor cede, aos poucos, ao it´s necessary – até alimentar infernos, voluntariamente convencidos de que se faz o bem.

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Imagem: Alberto Fujimori, defendendo-se em Tribunal

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