segunda-feira, 20 de abril de 2009

  • O NÃO ESTADO DO TIBETE E AS OMISSÕES DO DALAI LAMA
Tenho um profundo respeito por Tenzyn Tyastko, o Dalai Lama, em particular pela profundidade e densidade espiritual do seu pensamento. Essa sua dimensão congrega simpatias, e uma empatia quase unânime, mas não é bastante – não deve ser – para alienar a razão e a compreensão objectiva da realidade. Mas por vezes – na maioria dos casos, ao que se tem visto – isso acontece, e as multidões, sem saberem, alimentam um conflito resolvido no plano em que o colocam: do ponto de vista do Direito Internacional; ao mesmo tempo tentam abrir (e isso não é, não pode ser inocente) uma outra esfera de conflito.

Aplaudo Tenzyn Tyastko quando escreve pérolas preciosas como estas:

«Eu acredito que apesar dos rápidos avanços feitos pela civilização neste século, a causa mais próxima de nosso dilema actual é a nossa ênfase excessiva no desenvolvimento material. Nós nos tornamos tão absortos em sua perseguição que, mesmo sem saber, negligenciamos o desenvolvimento das necessidades humanas mais básicas de amor, da bondade, da cooperação e do afecto. Se não conhecemos alguém ou não nos sentimos conectados a um indivíduo ou grupo particular, nós simplesmente os ignoramos. Mas o desenvolvimento da sociedade humana é completamente baseado nas pessoas que se ajudam. Uma vez que perdemos a essência da nossa humanidade, ficamos destinados a perseguir somente o desenvolvimento material.

Para mim, está claro: um verdadeiro sentimento de responsabilidade só pode se originar se desenvolvermos a compaixão. Somente um sentimento espontâneo de empatia pelos outros pode realmente nos motivar para agirmos em favor dos seus interesses», in Dalai Lama, Ensinamentos: A Medicina do Altruísmo.

Agora, tenho muitas dúvidas e reservas sobre as suas posições políticas – pois, na verdade, o Governo tibetano no exílio é uma afronta à República Popular da China como Estado. Alimentar isso, também. Além de que o que se faz é alimentar um movimento de autodeterminação do Tibete que nunca foi reclamada – basta ver-se a história do Tibete para sabermos isso –, muito menos por Tenzin Gyatso (e tem razões – muitas, para nunca o ter feito). O que o Dalai Lama reclama é o mesmo que reclamam todos todos os opositores silenciosos ao regime político chinés: mais liberdade individual. Mas o “Governo do Tibete no Exílio» reclama mais do que a Autonomia Política e Administrativa da região do Tibete: reclama a (re)instauração do sistema feudal tibetano, com base numa estrutura religiosa (que, se bem analisada nas suas consequências, também viola direitos fundamentais da pessoa humana) que um Estado ateu não pode aceitar.

E, em verdade, o que acontece no Tibete – o “genocídio cultural”, como diz o Dalai Lama, não é, nem de perto nem de longe, o problema maior dos direitos humanos na China. Tenzin Gyatso, enquanto cidadão chinés (pois não existe e nunca existiu, ponto de vista do Direito Internacional, um Estado do Tibete), tem noção disso – daí que seja sempre reservado ao se posicionar sobre estas questões.

O Dalai Lama tem consciência que é um peão para os interesses ocidentais nas suas relações com a China. E a China, por uma questão de soberania – e até de manutenção da unidade do país e dos povos da China – nunca aceitará dialogar com Tenzin Gyatso que, como disse, é cidadão chinés; tanto como Wen Jiabao ou Yu Zhengsheng.

E, como estamos sob a égide da Revisão da Constituição de Cabo Verde e à talhe de foice, fica-se a a saber que Tenzin Gyatso (14º. Dalai Lama do Tibete), enquanto cidadão chinés, fez parte da Assembleia Constituinte (1ª. Assembléia Nacional Popular… assim se chamou!) que aprovou a Constituição da República Popular da China e, sendo então nomeado um dos vice-Presidentes do Comité Permanente da Assembleia. Estava-se em 1954, e o Partido Comunista Chinês sob a direcção de Mao Tse Tung. Dois anos depois, em 1956, Tenzin Gyatso aceitou o cargo de Presidente do Comité Provisório para a instalação e organização da Região Autónoma do Tibete.

É a tentativa de nacionalista tibetanos de restaurar o regime feudal e teocrático vigente até 1951 que viria a causar os conflitos de 1959 e o subsequente exílio do Dalai Lama na India. Mas, então, o Tibete era uma região autónoma da China. Do ponto de vista do Direito Internacional, a situação do Tibete é clara – o que não é clara são as razões que alimentam uma relidade inexistente e que só pode ter como objectivo quebrar a unidade do Estado chinés.

E, deste ponto de vista, o Dalai Lama peca pela omissão de não esclarecer de forma clara e inequivoca que a sua luta não é uma luta pela independência do Tibete mas sim pelo respeito pela integridade cultural do povo Tibetano. Nisto, não haverá quem não possa estar com ele. Eu estou. Não estou, nem nunca estarei, é com um silêncio que provoca a discórdia, o mal entendido, a dor desnecessária e, fatalmente, a violência.

Parafraseando o Dalai Lama, direi que a minha empatia pelo povo tibetano motiva-me a agir em favor dos seus interesses legítimos, mas mais ainda: dos seus direitos fundamentais, e tais não serão, certamente, a ideia de haver um Estado ou um enclave de lógica feudal e teocrática neste tempo, no século XXI – seja na China ou onde for. E estou a vontade para dizer isso, pois sou um deísta e um defensor dos direitos humanos – e dos direitos humanos dos cidadãos, não dos interesses instalados, ainda que historicamente sustentados por dados culturais.

A questão do Tibete merece ser vista sem paixão inclinada – merece uma razão objectiva –, e estamos longe de uma solução que a China, no âmbito do Direito Internacional vigente, possa ou deva aceitar. O que as pessoas que andam por aí em manifestações não sabem (?) é que o diálogo entre o Dalai Lama e a China seria, no plano político, catastrófico para o Estado chinês e para os povos da China. Seria, na verdade, a abertura da caixa de Pandora.

Imagem: Tenzin Gyatso (14º. Dalai Lama do Tibete)

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