quarta-feira, 22 de outubro de 2008

  • O PREÇO DA «BRANCA», SENHORA MINISTRA DA JUSTIÇA
Às vezes fico espantado e tenho de fechar a boca para não entrar mosca ou sair dela uma multidão de palavras de corar o vernáculo. Mas como sou polícia de mim mesmo, fico-me pelo pasmo.

Li. Sim, eu li. «[...] Deveríamos procurar saber quanto é que vale cada dose de cocaína nas ruas de Madrid ou de Amesterdão para percebemos o quanto foi benéfico o trabalho executado pelos agentes da PJ» – disse Marisa Morais, Ministra da Justiça de Cabo Verde in
Liberal de 14 de Outubro de 2008 e que me escapou. Obrigado, Ferro Marques pela elucidação no teu texto no Liberal de 20 de Outubro..

Oh!, a Ministra da Justiça não sabe quanto custa uma dose cocaína em Amesterdão, Madrid ou Lisboa... Não me perguntou (os seus assessores jurídicos deverão estar a pensar: «porque não me perguntou?!»), mas vou dizer-lhe, pro bonoI am a trader of my science, mas abro aqui mais uma excepção.

Mas a M.I. Ministra da Justiça quer saber o preço do material bruto, ou com «traço holandês» (material de «corte» que se mistura com a droga para aumentar o seu volume, em regra da ordem dos 300%)? Isto é, material do Afeganistão, por exemplo, dá cada quilo (depois de traçado e vendido ao «traficante médio») três quilos. É que há uma diferença substancial entre uma coisa e outra.

Dependendo da origem, da qualidade e do mercado de destino [a lógica do diamante aplica-se aqui], o preço por quilo anda a volta dos 30.000 (trinta mil) a 40.0000 (quarenta mil) euros o quilograma. «Traçado» – o quilograma de «traço» ronda os 500 (quinhentos) euros, triplica a quantidade/«mais valia» e, depois de revendido e «retraçado» pelos pequenos traficantes, é colocado nas ruas a «dose» de uma grama com quantidades ínfimas de droga (cocaína) que não chega a meia grama... e ao preço que varia entre 10 a 20 euros/dose - segundo o país e/ou a capacidade económica do consumidor (existe uma lógica qualidade/preço).

Quando os «dealers» querem se livrar de um consumidor «incómodo», dão-lhe – é prática corrente na Europa – uma dose de material não traçado (em particular de «castanha» – heroína) que, usado intravenosamente, causa a «overdose». A Senhora Ministra deve(ria) saber isso: penso eu de que...
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Ah, se se fizer as contas dos 171 kilos de droga apreendida pela PJ de Cabo Verde e referida pela Ministra da Justiça verifica-se que não são «quatrocentos e vinte milhões de escudos de droga», não. Ou alguém anda a fazer mal, muito mal, as contas (ô Djack, ondê que bô está?!) ou então, a Ministra da Justiça do not a clue about this matter...

É, na verdade, no mínimo, incrível que uma Ministra da Justiça não saiba uma coisa destas num país tido como um corredor de droga. Pelos vistos não sabe(rá) quanto custa uma dose de «branca» (cocaína) ou de «castanha» (heroína) em Cabo Verde. É que o mercado é global, muito global... Assim, é/será difícil os parceiros europeus de Cabo Verde levarem a sério o apregoado esforço do país no combate ao tráfico de droga.

Sim, como convencer estas entidades que se pode saber alguma coisa sobre este produto que viaja, por exemplo, desde os Andes (Perú, Bolívia...), América do Sul (Colômbia), Afeganistão e alguns países africanos até à Europa sem deixar rastos se nem o preço a que se vende essa desgraça nas ruas, inclusive a muitos cabo-verdianos, se sabe?

Só pode ter sido um lapsus linguae ou lapsus calami da Ministra da Justiça, pois não creio que quem foi assessora dos dois Ministros da Justiça que a precederam no cargo não saiba o preço da «branca», em especial nos mercados fornecidos por muitos cabo-verdianos.

Ah, mas há um preço que não mencionei; que é o mesmo nas ruas de Amsterdam, Madrid, Boston, Lisboa ou Praia: a vida. Deste preço – espero – a Ministra da Justiça deve ter o número exacto. Ah, já agora, quem me pode dizer qual é esse preço em vidas humanas (para não falar noutros custos sociais) que temos pago, nós o povo cabo-verdiano, à droga?
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Saber, conhecer os contornos do quê e com que lidamos não é um dever de ofício, é um pressuposto do mesmo, não é, Mui Ilustre Ministra da Justiça? Ignoti nulla actis – isto é, não se pode agir contra o que não se conhece; penso eu de quê...
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  • Imagem: Cocaína. Extraída das folhas de coca (erytroxylon coca); esta era usada há alguns milhares de anos em ritos funerários e em cerimónias de trepanação – no século XX chegou a fazer parte da Coca-Cola (originariamente tinha na sua composição coca e cola – planta africana – e era vendida nas Farmácias para dores de cabeça) e Freud, depois de ser convertida em cocaína nos finais do século XIX, introduziu-a na terapia em substituição da morfina.

11 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada pelo reajustamento de preços !! Francamente CV e a sua justiça estao longe das contas!! Nao estranho porque penso eu que nao assitimos a uma luta contra a droga mas sim a uma luta para o controlo da droga que tanto lucrativa é !!! Se os Holandeses querem exportar o cannabis é que a questao ja esta ha muito tempo em cima da mesa...

Anónimo disse...

Já ouvi várias vezes as afirmação da ministra sobre isto mesmo antes de ser ministra e ela sempre chamou a atenção para o dinheiro que o tráfico movimenta e para os meios que os traficantes dispõe. Ouvi a entrevista na rádio e ela disse que para as pessoas saberem os valores em jogo quando a PJ apreende 5 kg de coca basta saberem o custo da dose nas ruas de Amsterdão, Lisboa e Madrid. Portanto o contrário do que aqui vem.No site do MM e da PJ eles põe o valor quando passa por aqui.

Joshua disse...

Oh, Cabo Verde terra estimada...que também já estás a ficar estragada...

Virgilio Brandao disse...

Anónimo (23/Out/2008 15:43:00),
Estas são as palavras da Ministra transcritas na Comunicação Social:

«Deveríamos procurar saber quanto é que vale cada dose de cocaína nas ruas de Madrid ou de Amesterdão para percebemos o quanto foi benéfico o trabalho executado pelos agentes da PJ».

O português é claro. A não ser que queira dizer que a comunicação social disse o que a Ministra da justiça não disse...

Que os traficantes têm muitos meios e que o tráfico movimenta muito dinheiro; bem..., isso foi dito por quem? Por Monsieur de la Palisse?...

Ariane,
Se as contas fossem feito de acordo com o preço da venda da droga na relação Kilo/grama, os traficantes perderia dinheiro. Mas, en fin... Olha, não creio que essa questão da luta pelo controlo do tráfico passe pelos agentes políticos – ao contrário do que se tem afirmado – mas sim por outros canais.

A Holanda, nesta matéria, não é muito bom exemplo – da minha perspectiva.

Joshua,
Já está, infelizmente. Mas ainda é possível estripar a maça podre.
Dia bom

Unknown disse...

Virgilio, isto parece-me mais um fait-divers, e explico porquê: ao utilizar a expressão que utiliza, penso que a Ministra não se estaria a referir à sua pessoa, mas à sociedade em geral. Para mim é claro que ela sabe do que está a falar e que não se está a referir a si própria.

Eu mesmo já escrevi coisas do género, como por exemplo, «não seria mau se prestássemos mais atençao...», etc. Não quer dizer que eu não preste essa atenção, mas coloco a expressão na primeira pessoa do plural, até como forma de conseguir mais aderência à ideia. Fui claro?

Virgilio Brandao disse...

João,
admito essa tua interpretação das palavras da Ministra, pois ela é/será a mais razoável e compatível com o perfil de quem exerce o cargo de Ministro. Foste claro e entendi o teu ponto de vista.

Aliás, não por acaso que escrevi no texto que:

«Só pode ter sido um lapsus linguae ou lapsus calami da Ministra da Justiça, pois não creio que quem foi assessora dos dois Ministros da Justiça que a precederam no cargo não saiba o preço da «branca», em especial nos mercados fornecidos por muitos cabo-verdianos.»

Mas, lá vem o maldito «mas»..., pergunto:

1. Se assim é, porque a confusão, clara, sobre o valor da droga? É que isso é de quem não desconhece essa realidade...

2. Se desejava ter maior aderência à ideia que desejava expressar, não seria mais simples dizer que aquela droga tinha o valor x e que era vendida por x(y) em Amesterdão ou Madrid? É que a linguagem coloquial não pega nessas coisas... pela simples razão de que o destinatário não é erudito, pois não?

3. Ademais, o preço da droga (em particular no estrangeiro) e o lucro dos traficantes não importam nada à sociedade cabo-verdiana, mas sim o preço social e humano em Cabo Verde, não é?´

Ah, o preço dos 17 milhões de euros anunciado pelos quinhentos kilos (julgamento da Praia, esta semana) anda, sim, próximo da realidade, pois dá um valor aproximado de 35.000 euros (trinta e cinco mil euros) o kilo.

Tenho a Ministra em muito boa conta, pelo que me foi transmitido por quem lida com ela de perto, mas parece-me que aqui a perspectiva que ela passou é tudo menos a adequada (quem não se lemra de ver António Guterres, na TV, atrapalhado a fazer contas?).

E, como é consabido, a quantidade de aproximadamente duas centenas de quilos de droga apreendida não faz mossa nenhuma nas redes do tráfico internacional; isso é trocos para eles.

Circulam toneladas de droga no corredor atlântico em direcção à União Europeia e essa apreensão, João, não é – da perspectiva dos traficantes – um rude golpe para eles, pois a droga é adquirida a preço da uva mijona na origem.

Agora, que o trabalho da PJ é meritório; disso não tenho dúvidas.

Já agora, a nossa comunicação social poderia, ajudar a esclarecer essas coisas, não achas? É que bastaria ter-se perguntado à Ministra qual era o valor e... O Governo de cabo Verde continua a não ter uma forma adequada de comunicar com os cabo-verdianos.

É que, João, pode parecer fait-divers mas não é.

É bondosa a tua perspectiva. Fica-te bem pensar assim, procurar «o bem» das coisas são uma virtude rara; em particular nos dias que correm.

Abraço fraterno

Anónimo disse...

35000€ o kilo?? Que grande baixa de preços, deve ser da crise. Deixa ver, dependendo do grau de pureza (e aquela era da boa) a coca é cortada pelo menos três vezes pelo que cada kg passa a três.
Com a grama, nas ruas a 30€ (de acordo com o autor do post uma dose não chega a meia grama e custa entre 10 a 20€... qual o fornecedor que a maltosa aqui está interessada?!) e esquecermos o corte (300% é igual a 3 vezes mais, não é?) para facilitar as contas teríamos o kg 150.000€Multiplicados por 171kg...5.130.000€. É não vale a pena pôr aqui o corte...
5.130.000€ dá quanto em escudos cabo-verdianos?
Mas é um fait-divers engraçado.

Anónimo disse...

A entrevista foi na rádio... presumo que o Liberal estava a citar.

Virgilio Brandao disse...

Sanpadjud,
faz umas contas engraçadas... Quando disse que não chega a uma de droga em cada grama vendida,era como exemplo(com a multiplicidade de cortes... o que o consumidor obtem nas ruas, é na verdade, umadose infima de droga em relação ao peso que pensa adquirir).

É uma verdadeira «bola de neve»,cresce conforme muda de mãos.

Quem se dedica a essas coisas tem um negócio fantástico, é verdade. Ah, e essas informações, Sampadjud, não são para compartilhar. Além do mais, como saberá, não teria produto com qualidade por esse preço, não é?

Porque não se dedica a interesses mais saudáveis? Far-lhe-ia bemmelhor, à saúde e à carteira.

Anónimo,
sim, foi citação «» da Ministra. E não existem razões para não crer que a citação não fosse ou seja verdadeira, pois não?

Anónimo disse...

Muito bem. Fiz as contas com os dados que apresentou no seu post... por aquilo que diz agora: "não teria produto com qualidade por esse preço" isto é 30€/grama, calculei por baixo. A pergunta continua:5.130.000€ (cinco milhões e cento e trinta mil euros) são quantos escudos cabo-verdianos??

Virgilio Brandao disse...

Sr. Sampadjud,
«quatrocentos e vinte milhões de escudos de droga» (sic), é que não são; pois não?

Para quem sabe fazer tão bem as contas, parece que tem aí um problema existencial…

Note bem, falei num «produto de qualidade» (se é que se pode falar disso dum instrumento de morte) porque, como parece saber, a droga que chega às ruas é profundamente adulterada e é nessa adulteração e na diferença do seu valor na origem (chega-se a comprar por cerca de 500 euros/Kilo aos agricultores Afegãos) que se encontram os grandes ganhos dos traficantes.

Duas ou três doses da mesma droga podem ter a mesma quantidade do estupefaciente que uma dose, dependerá do fornecedor desse material, não é? Essa gente só pensa numa coisa: no dinheiro! A saúde das pessoas não conta; aliás, quando menos droga tiver a dose, Maios é a carência da pessoa satisfazer a sua necessidade.

Ah, e os valores aumentam de acordo com o local onde é vendido – os Açores, em Portugal, é onde a droga é mais cara; assim como, ao nível planetário, Singapura será onde esse produto alcançará os valores mais elevados. Por razões óbvias.

Como vê (pelas contas que fez), a notícia em causa não era nem é nenhum faite-diver. E de engraçado… bem, para o humor crioulo, sim; não fosse susceptível de revelar algumas das nossas fragilidades.

É a vida!

Dia bom, e espero que consiga resolver esse gravíssimo problema existencial da conversão dos euros em escudos cabo-verdianos.