segunda-feira, 30 de novembro de 2009

  • LEY DE MURPHY
Si algo puede salir mal, saldrá mal.

Corolarios.

1. Nada es tan fácil como parece.
2. Todo lleva más tiempo del que usted piensa.
3. Si existe la posibilidad de que varias cosas vayan mal, la que cause más perjuicios será la única que vaya mal.
4. Si usted intuye que hay cuatro posibilidades de que una gestión vaya mal y las evita, al momento aparecerá espontáneamente una quinta posibilidad.
5. Cuando las cosas se dejan a su aire, suelen ir de mal en peor.
6. En cuanto se ponga a hacer algo, se dará cuenta de que hay otra cosa que debería haber hecho antes.
7. Cualquier solución entraña nuevos problemas.
8. Es inútil hacer cualquier cosa a prueba de tontos, porque los tontos son muy ingeniosos.
9. La naturaleza siempre está de parte de la imperfección oculta.
10. La madre Naturaleza es una lagartona.

Imagem: Carolyn Murphy (Ah! o Murphy era outro, não esta...)

domingo, 29 de novembro de 2009

  • AS ENCOSTAS DO TEJO
Quero abraçar-te daqui, da minha longitude
encontrar teus olhos côncavos, lagunares
e dizer-te com palavras que não se dizem e se comem
o que escutam os meus braços, flores-beijos
que esperam à porta do tempo
mais, mas muito mais do que o sonho
de dias envoltos de ti. Esperei-te no doce
da tarde que se perde de novo, no pensamento
que te encontra e me recria por ti.

Desperta com todas as ardósias a minha alma
e espera a marca do teu beijo
— grita a voz destino, a que te busca.

Chove nas encostas do Tejo,
as gotas gordas são o mel dos teus lábios.

El memorioso, Jorge Luis Borges


  • REVISÃO DA CONSTITUIÇÃO: DEPUTADOS DA NAÇÃO OU DAS NAÇÕES?

    O Memorando de entendimento entre o PAICV-MPD não me agradou, por várias razões que não vou escalpelizar aqui. De todo o modo, verifico um facto: os direitos liberdades e garantias dos cidadãos saem enfraquecidos por razões puramente politicas, e isso não é próprio de um Estado de Direito. Espero que os deputados saibam assumir a sua posição de eleitos do povo e não de extensões dos partidos políticos e respectivas lideranças.

    Agora, existem matérias que deveriam ser clarificadas. Por exemplo, a questão da responsabilidade penal dos membros do Governo, a inconstitucionalidade por omissão – que se torna necessária num Estado que peca por omissões e com a anunciada instalação do Tribunal Constitucional –, o salário mínimo nacional entre outras questões, nomeadamente a acumulação de funções electivas e remuneradas por deputados da nação. Neste último aspecto não sei se ouço o deputado a defender os interesses da(s) sua(s) ilha(s) ou da nação, para não dizer que (i) existe uma clara incompatibilidade de funções, como se verificou na ultima discussão do Orçamento Geral do Estado, entre o deputado e o vereador e (ii) num país com o nível de desemprego existente haja cidadãos a acumular funções públicas remuneradas.

    Esta revisão da Constituição não está a ser feita a favor do povo de Cabo Verde, mas sim a reboque dos interesses da classe política cabo-verdiana que tem o pendor quase natural de fazer as coisas que não deve à revelia da Constituição para depois ver o que fazer, até mudar a Constituição e a lógica fundadora da ordem jurídica cabo-verdiana. É o caso da questão da extradição – cujo consenso me parece inadequado e contra a Constituição, os seus valores e limites materiais. Mas a lógica política é simples: é preciso fazer-se a revisão constitucional nesta matéria, pois o Governo de Cabo Verde assinou a «
    Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa», isso na cidade da Praia e na qualidade de anfitrião, a 23 de Novembro de 2005, em que assumiu obrigações extradicionais com outros Estados.

    Esta Convenção está tabelada pelo Estatuto de Roma que institui o TPI, daí o sentido do Memorando de Entendimento assinado pelo MPD e pelo PAICV. Interesses do Estado na questão da extradição. Invocar-se-á. Mas e os interesses da nação e dos seus cidadãos? Parece-me que se pensa na protecção do voluntarismo do Estado e dos seus órgãos e agentes, menos nos cidadãos. Aprovar esta norma e a que permitirá a adesão ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional assim como outras de igual gravidade constitucional e neste sentido, é dar uma machadada no Estado de Direito Democrático e, paradoxalmente, colocará Cabo Verde na periferia dos Estados de Direito. A pacta sunt servanda obriga a muita coisa, mas existem limites, ademais a assinatura da convenção de extradição está ferida de invalidade originária uma vez que viola de forma clara e flagrante várias normas da Constituição da República de Cabo Verde. Salva-se a assinatura da convenção de extradição da CPLP e viola-se a nossa Constituição. Que bela, mas que bela ideia! O que é mais valioso? Basta ler-se o ponto 2 de «Sobre as matérias indicadas pelo PAICV» do Memorando de Entendimento para se obter a resposta, e é clara, cristalina.

    Mas por que carga de agua é que os deputados, do UCID, do MPD e do PAICV eleitos pela nação, deverão salvar a asneira do Governo ao assinar a Convenção da CPLP sobre extradição e faz “acordos” com a União Europeia no sentido de vir a adaptar a ordem jurídica cabo-verdiana à europeia? Caminhamos para um Estado satélite, sem identidade, sem independência real e verdadeira. A vontade política pode tudo – é a nova lógica da Europa dos consensos. Mas não é verdade, nem pode ser verdade. O rule of law, o império do Direito é que conforma o Estado, não é a vontade do poder político. Andamos a ver Cabo Verde pelo lado errado do binóculo – e os outros acabam por nos ver dessa mesma perspectiva.

    Os deputados da nação irão ser sujeitos a um julgamento prévio – antes do que virá em 2011 – no dia em que se colocar estas normas em discussão. Que a televisão esteja lá para registar esse momento da história e informar os cabo-verdianos, que a rádio de Cabo Verde não se silencie por qualquer razão de ordem “técnica” e inesperada, pois o povo vai querer ouvir os deputados e saber qual é o seu sentido de voto. Não existe pais que se pode chamar tal e que possa se dar ao luxo de ser governado pelos interesses externos, de outras nações. É que satélite por satélite, tutela por tutela, para quê é que foi a independência de Cabo Verde? Suserano do Direito é algo a que deveríamos dizer não, pois de facto há muitos que ainda são gerados e guiados, de facto, por um suserano de alma.

    ----- Anexo: Convenção de Extradição da CPLP

  • O MEU POETA

    No fundo passamos os dias a aprender a ser pessoas, pois o que somos, na verdade, é nada mais nada menos que animais domesticados pelos prazeres diz-me o meu poeta.

    Imagem: Winston Churchill e Bernard Baruch conversam no carro estacionado em frete da casa de Baruch (14 de Abril de 1961)

sábado, 28 de novembro de 2009

  • A OUTRA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E O AMOR
Há alguns anos fui contactado por um homem acusado de violência doméstica continuada. Queria o meu patrocínio judicial. A situação era típica: a mulher aparecia com marcas de violência física imputada ao marido, este, a final, acabava no Tribunal a ser julgado e condenado pelos factos — as marcas e os testemunhos de familiares e amigas da vítima convenciam o Juiz. Mas sentia que havia qualquer coisa de errada na história daquele homem acabrunhado, com ar sofrido e que, mau grado uma longa história de violências, continuava a viver com a mulher. Resolvi descobrir mais sobre a história, e fui ao local onde vivia. Conversei com algumas pessoas que conhecia o casal, e depois tive um conversa com ele.

— Senhor, Trajano (nome fictício), porquê é que nunca me disse a verdade sobre os processos de violência doméstica que teve no passado? — perguntei-lhe.
— A verdade como, Senhor doutor? — respondeu.
— Sim, sobre a sua mulher…
— Ah, isso já sabe…
— Sim, sei. Estive no seu bairro, conversei com algumas pessoas que o conhecem, e agora sei a verdade. Vá lá, conte-me o que tem acontecido; mas com verdade.
— Mas isso o doutor já sabe, leu os processos…
— Sim, li e sei o que me disse. Mas isso não é a verdade, pois não? — insisti.

Olhou para mim — podia ver a vergonha estampada no seu rosto como uma chaga gangrenosa — e baixou a cabeça. O silêncio abarcou-o, e lágrimas começaram a sair do seu rosto avermelhado, parecia as entranhas do inferno num dia mau, tempestuoso. Compartilhei o seu silêncio, e esperei. Até que gritou:

— A minha mulher é um demónio! Um demónio, doutor!

Olhei para ele, e não disse nada. Continuei em silêncio, esperando. Queria ouvi-lo e ele precisava de falar, de dar-me os instrumentos que precisava para a sua defesa. Mas remeteu-se de novo ao silêncio, arrependido do que disse. Ao fim de algum tempo, olhando-o a limpar os olhos com um lenço de pano gasto de tanto uso, perguntei-lhe:

— Mas porquê, Senhor Trajano? Porquê é que faz isso?
— Ah, doutor! Porque a amo, sabe… — volveu, com voz trémula.
— Sim, entendo-o — respondi, sem estar convencido. — Mas porque não diz a verdade, toda a verdade ó homem?
— Toda a verdade!? Toda a verdade, doutor? — esbugalhou os olhos de espanto.
— Sim, toda — insisti.
— Mas o doutor quer que eu morra, é? — perguntou-me, como se fosse coisa para me espantar, convencer-me das suas razões.
— Não, só quero o seu bem, que não vá parar numa prisão por reincidência neste tipo de crime. Quero que ajude a Justiça a ser justa…
— Ah, sim! O doutor quer que eu acredite na Justiça, é? — perguntou-me de olhar desperto, quase rancoroso, desalmado de sentidos.
— Sim, Senhor Trajano, sim… — volvi, tentando levá-lo a perceber
— E como posso me safar disto, ó doutor? — retorquiu, de olhos vidrados.
— Dizendo a verdade, Senhor Trajano, dizendo a verdade e provando-a.
— Ah, doutor! — exclamou, levantando-se da cadeira e agarrando na cabeça. — O doutor quer que eu morra, é isso.
— Mas que morra como, ó homem!? Só quero ajudá-lo — insisti.
— Não! O doutor quer eu morra de vergonha, pois como vou dizer aos meus amigos, à minha mãe e ao meu pai que a minha mulher me bate como se eu fosse um menino? — respondeu, confessando a verdade odiosa. — Como, como ó homem de Deus? O doutor sabe que nunca bati nela, não sabe? (fez uma pausa, como que esperando o meu assentimento, que dei na forma de um manear de cabeça) Nem em pensamento o fiz, mas já levo duas condenações e tenho uma prisão suspensa…
— senhor Trajano, perceba o que vou dizer-lhe agora — tomou uma postura de atento, de uma atenção frágil, submissa e de espantosa desesperança enquanto passava as mãos no casaco, como se tivesse larvas a nascerem nas suas palmas. — É a única que tem de evitar ser preso!
— Pois bem, prefiro ser preso a toda a gente ficar a saber que a minha mulher me bate, mutila-se e depois finge que sou eu que a maltrata — anunciou-me, resignado.
— Senhor Trajano, sabe como é que eu sei a verdade? — resolvi perguntar-lhe.
— Não doutor, não sei. Mas o doutor tem os seus meios…
— Sim, tenho os meus meios: fui ao seu bairro, e todos os seus vizinhos e amigos sabem que a sua mulher lhe bate há anos, mas ninguém lhe diz nada para não o ofender, poupam-no à vergonha que sabem sentir. Por isso, Senhor Trajano, pode ter todas as testemunhas que desejar, e com elas no Julgamento não terá de ir para a prisão pois será absolvido e esta questão ficará resolvida — disse-lhe, enquanto olhava para mim, espantado.

Levantou-se, olhou para mim, sorriu e disse-me:

— Obrigado doutor, mas não. Acho que não vou precisar de Advogado para este processo. Não vale a pena, ó doutor, não vale a pena…
— O que é que é que não vale a pena, Senhor Trajano? Defender-se com a verdade, ou quer me dizer algo mais do que isso? — perguntei-lhe, ao ver os seus olhos endurecerem, como que petrificando a alma. Desistia, simplesmente.
— Não é nada doutor, depois terá notícias minhas.

E foi-se. Algum tempo depois tive notícias dele: mudara de casa, abandonara a mulher e tudo tinha tido um acidente de viação — atravessou o carro na estrada e deixou-se morrer esmagado por um camião pesado. Esmagamento menor, diria o meu poeta. Amava a mulher — dizia.


A lua-de-mel pode ser... violenta.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

  • MEMORANDO DE ENTENDIMENTO ENTRE O MPD E O PAICV SOBRE MATÉRIAS ESSENCIAIS PARA A 2ª REVISÃO ORDINÁRIA DA CONSTITUIÇÃO (1)

    Estando em curso o processo de revisão constitucional, tendo em conta o impasse sobre entendimentos em relação a algumas matérias consideradas essenciais pelas partes, as delegações do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) e do Movimento para a Democracia, (MPD) lideradas pelos respectivos Presidentes, José Maria Neves e Carlos Veiga, e integradas pelos Presidentes dos Grupos Parlamentares, Rui Semedo e Dr. Fernando Elísio Freire e, ainda, pelos deputados das respectivas bancadas, Dr. José Manuel Andrade e Dr. Eurico Correia Monteiro, estabeleceram negociações ao mais alto nível, entre as partes, nos dias 5, 19 e 23 de Novembro de 2009, com vista a superar os constrangimentos e a conseguir os acordos necessários.

    Previamente, como objecto para discussão, as partes trocaram, através de uma lista escrita, as matérias que cada uma considerava essenciais à revisão constitucional e que constam dos projectos de revisão constitucional apresentados pelos respectivos deputados à Assembleia Nacional.

    Na sequência das negociações havidas entre as partes, relevando o interesse mútuo e nacional no sentido de, através de seus deputados no Parlamento, realizar a 2ª revisão ordinária da Constituição, as partes chegaram ao seguinte entendimento:

    Sobre as matérias indicadas pelo PAICV:

    1. A consagração da língua materna cabo-verdiana e da língua portuguesa como línguas oficiais da República;

    Sobre este ponto, não se chegou a acordo, alegando o MPD haver necessidade de amadurecimento do debate público sobre a matéria e que ainda não estão suficientemente criadas as condições para a oficialização da língua materna.

    2. Norma que permita a ratificação da adesão de Cabo Verde ao Estatuto de Roma;

    Sobre este ponto, acordou-se no sentido de acolher a proposta, devendo proceder-se a adequação de outras normas para compatibilizar o texto constitucional, tarefa deferida a cargo da Comissão Paritária já existente a nível da Assembleia Nacional, que integra Deputados dos correspondentes Grupos Parlamentares.

    3. A manutenção do princípio da inadmissibilidade da extradição de nacionais cabo-verdianos, salvo em certos casos de crimes transnacionais graves e em condições de reciprocidade;

    Sobre este ponto, acordou-se no sentido de manter o princípio constitucional da não extradição de nacionais cabo-verdianos. Porém, acordou-se também que este princípio deve ser excepcionado, permitindo-se a extradição de pessoas que tiverem adquirido ou readquirido a nacionalidade após o cometimento do crime que tenha dado causa ao pedido de extradição.

    Acordou-se também que, em relação a estrangeiros, deverá prever-se a flexibilização de sua extradição, mesmo no caso de haver pena de prisão perpétua no país requerente.

    Acordou-se ainda que, no âmbito de alteração à Lei da Nacionalidade, serão clarificadas outras situações concretas a considerar em matéria da perda de nacionalidade derivada, por cometimento de determinados crimes.

    O texto final deste ponto deverá ser adoptado pela Comissão Paritária já existente a nível da Assembleia Nacional, que integra Deputados dos correspondentes Grupos Parlamentares.

    4. A possibilidade de se realizar buscas ou revistas nocturnas, restritamente nas situações de criminalidade especialmente violenta ou organizada, nomeadamente em caso de terrorismo, tráficos de droga, de armas e de pessoas, mediante decisão judicial;

    Sobre este ponto, acordou-se que serão admitidas buscas ou revistas domiciliárias nocturnas apenas em casos de criminalidade transnacional especialmente violenta ou organizada, requeridas pelo Ministério Público, sob proposta da Policia Judiciaria, e mediante mandato judicial fundamentando a necessidade de a busca ou revista se realizar de noite e com a presença física de um magistrado do Ministério Público.

    5. A alteração do enquadramento da matéria constante da alínea q) do artigo 175º da Constituição sobre sistema fiscal e impostos para outra que permita a sua aprovação por maioria absoluta, sem prejuízo de a sua discussão e aprovação na especialidade também em sede do Plenário da Assembleia Nacional;

    Sobre este ponto, acordou-se no sentido de alterar o inciso constitucional actual nos seguintes termos:

    a) Deve manter-se sob o regime da aprovação por maioria de dois terços dos deputados a seguinte matéria:

    - “Bases do sistema fiscal e regime das garantias dos contribuintes”.

    b) Deve passar a ser objecto de aprovação por maioria absoluta de deputados, sem prejuízo da reserva absoluta e exclusiva da Assembleia Nacional, a seguinte matéria:

    - “Criação, incidência e taxa de impostos”.

    6. A alteração da composição do Conselho Superior da Magistratura Judicial, mas com manutenção do princípio da maioria de cidadãos não magistrados nem advogados nesse órgão;

    Sobre este ponto, acordou-se no sentido de o CSMJ passar a ter a seguinte composição;

    a) Um magistrado judicial designado pelo Presidente da República;
    b) Quatro magistrados eleitos pelos seus pares;
    c) Quatro cidadãos idóneos e de reconhecido mérito, não magistrados nem advogados, designados mediante eleição pela Assembleia Nacional.

    7. A designação do Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, através da eleição pela Assembleia Nacional;

    Sobre este ponto, acordou-se que o Presidente do CSMJ será designado pelo Presidente da República, sob proposta do CSMJ, de entre os magistrados integrantes.

    8. A eliminação do parecer favorável (vinculativo) do Conselho da República para a dissolução da Assembleia Nacional pelo Presidente da República.

    Sobre este ponto, as partes acordaram na aceitação da proposta, mas introduzindo densificação das condições de dissolução da Assembleia Nacional, cujo texto será consensualizado em sede da Comissão Paritária já existente a nível da Assembleia Nacional, que integra Deputados dos correspondentes Grupos Parlamentares.

    9. A possiblitação de demissão do Governo mediante a aprovação de apenas uma única moção de censura.


    Sobre este ponto, não se chegou a acordo, ficando o texto actual da Constituição sem alteração.

    Sobre as matérias indicadas pelo MPD:

    1. Salário mínimo nacional;

    Sobre este ponto, acordou-se na manutenção do texto actual da Constituição sem alteração.

    2. Tribunais de segunda instância;

    Sobre este ponto chegou-se a acordo, no sentido da consagração obrigatória dos tribunais de segunda instância, deferindo, em normas transitórias, o prazo máximo de três anos para a sua implementação efectiva.

    3. Designação do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça;

    Sobre este ponto, chegou-se a acordo no sentido de o Presidente do STJ ser nomeado pelo Presidente da República, sob proposta dos membros daquele órgão.

    4. Designação do Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial;

    Sobre este ponto, acordou-se que o Presidente do CSMJ será designado pelo Presidente da República, sob proposta do Conselho, de entre os magistrados integrantes.

    Composição do Conselho Superior da Magistratura Judicial;

    5. Sobre este ponto, acordou-se no sentido de o CSMJ passar a ter a seguinte composição:

    a) Um magistrado judicial designado pelo Presidente da República;
    b) Quatro magistrados eleitos pelos seus pares;
    c) Quatro cidadãos idóneos e de reconhecido mérito, não magistrados nem advogados, designados mediante eleição pela Assembleia Nacional.

    6. Audição Parlamentar do Procurador-Geral da República para a sua nomeação;

    Sobre este ponto, não se chegou a acordo, mantendo-se o texto actual da Constituição, sem alteração.

    7. Relatório sobre o Estado da Justiça (Magistratura Judicial, Ministério Público e Ordem dos Advogados);

    Sobre este ponto, chegou-se a acordo no sentido da apresentação de relatórios sobre o Estado da Justiça à Assembleia Nacional apenas pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial e pelo Conselho Superior do Ministério Público.

    8. Eleição do Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial pelos pares (magistrados judiciais);

    Sobre este ponto, acordou-se que o Presidente do CSMJ será designado pelo Presidente da República, sob proposta do CSMJ, de entre os magistrados integrantes.

    9. Composição do Conselho da República;

    Sobre este ponto, chegou-se a acordo no sentido de retirar o Procurador Geral da República da composição do CR, devendo reforçar-se para cinco o número de personalidades a designar pelo Presidente da República, que deverá fazer a sua escolha tendo em conta as sensibilidades políticas na sociedade, nomeadamente as com expressão parlamentar.

    10. Legitimidade para a fiscalização abstracta da constitucionalidade;

    Sobre este ponto, chegou-se a acordo no sentido de incluir
    o Provedor da Justiça no elenco das entidades com legitimidade para requerer a fiscalização abstracta da constitucionalidade.

    11. Autoridades administrativas independentes e poderes das Comissões especializadas.

    Sobre este ponto, no que tange às autoridades administrativas, acordou-se no sentido de apenas se prever no texto da Constituição a audição prévia dos membros indigitados para os Conselhos de Administração pela Comissão especializada competente da Assembleia Nacional, seguida de recomendação.

    Quanto aos poderes das Comissões especializadas, acordou-se no sentido da retoma do acordo obtido em sede da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição.


    Quanto aos demais acordos obtidos em sede da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição consideram-se todos confirmados.

    O texto final deverá ser adoptado pela Comissão Paritária já existente a nível da Assembleia Nacional, que integra Deputados dos correspondentes Grupos Parlamentares.

    Acordou-se ainda que o presente Memorando deverá ser remetido aos respectivos Grupos Parlamentares para ser tido em conta na discussão e aprovação em sede parlamentar.

    Feito em dois originais, de igual fé, na Cidade da Praia, aos 24 de Novembro de 2009.

    O Presidente do PAICV O Presidente do MPD,

    /José Maria Pereira Neves/ /Carlos Veiga/
  • Imagem: Joana de Arc, Dante Gabriel Rossetti
_________
(1) Os cidadãos merecem ler este documento, e fica aqui. Afinal, a Constituição cabo-verdiana é de todos, é da Res Publica.

  • PALAVRAS FINAIS
Sé que tengo cáncer. Lo que quiero decir antes de morir es que odio a los psiquiatras. En el hospital de Rodez yo vivía bajo el terror de una frase: "El señor Artaud no come hoy, pasa al electroshock". Sé que existen torturas más abominables. Pienso en Van Gogh, en Nerval, en todos los demás. Lo que es atroz es que en pleno siglo XX un médico se pueda apoderar de un hombre y con el pretexto de que está loco o débil hacer con él lo que le plazca. Yo padecí cincuenta electroshocks, es decir, cincuenta estados de coma. Durante mucho tiempo fui amnésico. Había olvidado incluso a mis amigos: Marthe Robert, Henri Thomas, Adamov; ya no reconocía ni a Jean Louis Barrault. Aquí en Ivry sólo el doctor Delmas me hizo bien; lamentablemente murió... — Estoy asqueado del psicoanálisis, de ese "freudismo" que se las sabe todas". Antonin Artaud

Imagem: Dante Gabriel Rossetti

  • A CONSTITUIÇÃO (IM)POSSÍVEL?
O acordo de Revisão Constitucional entre o PAICV/MPD é, em muitos aspectos, a mutilação e a desconstrução do Estado de Direito Democrático. Não somente pelo acordo em si – que na forma é sofrível –, mas pela sua substância. É que, pergunto, onde fica a Constituição e os seus valores, os valores abraçados em 1992? Tens razão, ó Hamlet, tens razão!

  • Donna Taylor

    Isn't she beautiful?

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

imagem: Imperatriz Isabel de Portugal, Ticiano (1548) - Museo del Prado, Madrid

terça-feira, 24 de novembro de 2009

  • ORÇA MENTES POLITICAS

    Orçando a minha mente, concluo: sou masoquista! Sim, masoquista. Porquê? – pergunta-me-á. Simples: consegui ouvir a discussão parlamentar na Assembleia Nacional, mais uma vez. Agora tenho de concluir, também e sem prazer, uma outra coisa simples: em substância não me revejo neste Parlamento. É demasiado pobre, truculento, demagógico, tributário e destituído de ideias.

    A contribuição para a democracia cabo-verdiana é desastrosa, quase nula na substância e prova que vivemos num deserto democrático ao nível parlamentar e se salva o Governo – não por méritos próprios mas por demérito parlamentar. E é lamentável ver o Primeiro Ministro José Maria Neves – que deve(ria) ter um discurso de Estado – seguir essa linha demagógica (o discurso final parece te sido afectado pela crispação parlamentar). Qual é o parâmetro ideológico que se contrapõe à democracia, e que o Primeiro Ministro se referiu? Dá que pensar…

    Não posso crer que o não tenha percebido o discurso de Carlos Veiga. É preciso uma revolução, do discurso e da postura parlamentar – e não só. O Orçamento Geral do Estado, como documento para o futuro, não foi devidamente escrutinado, mas deu para orçar algumas mentes – sim, para isso deu.

    E lembro-me do sonho de S. Jerónimo. Sim, do sonho de S. Jerónimo!

  • LOBO ESTEPARIO
Yo, lobo estepario, troto y troto,
la nieve cubre el mundo,
el cuervo aletea desde el abedul,
pero nunca una liebre, nunca un ciervo.

¡Amo tanto a los ciervos!
¡Ah, si encontrase alguno!
Lo apresaría entre mis dientes y mis patas,
eso es lo más hermoso que imagino.
Para los afectivos tendría buen corazón,
devoraría hasta el fondo de sus tiernos perniles,
bebería hasta hartarme de su sangre rojiza,
y luego aullaría toda la noche, solitario.

Hasta con una liebre me conformaría.
El sabor de su cálida carne es tan dulce de noche.
¿Acaso todo, todo lo que pueda alegrar
una pizca la vida está lejos de mí?
El pelo de mi cola tiene ya un color gris,
apenas puedo ver con cierta claridad,
y hace años que murió mi compañera.

Ahora troto y sueño con ciervos,
troto y sueño con liebres,
oigo soplar el viento en noches invernales,
calmo con nieve mi garganta ardiente,
llevo al diablo hasta mi pobre alma.
-------- Herman Hesse
Versión de Andrés Holguín

Imagem: Lola Luv

  • O TEMPO DO ORÇAMENTO DO ESTADO

    Atento a Assembleia Nacional. Ao ouvir o deputado Rui Semedo, líder parlamentar do PAICV, lembrei-me de alguns textos que escrevi o ano passado sobre o Orçamento Geral de Estado de Cabo Verde (OGE). A minha memória raramente me atraiçoa, e lembro-me da discussão de então (do que ouvi na
    RCV). Mas, afinal, o OGE do ano passado foi ou não pensado num quadro de crise – como então disse a Ministra da Economia? Se foi neste contexto e ciente do mesmo, os objectivos deveriam ser alcançados e a crise e o mal dos outros não é nem pode ser desculpa para o Governo. O deputado Rui Semedo teria razão se o OGE em execução tivesse sido feito sem considerar o contexto de crise e as suas previsíveis incidências. Mas não é esse o caso.

    Leia, se tiver paciência, o que escrevi então, nomeadamente o texto «
    CABO VERDE: ORÇAMENTO DE ESTADO GASTADOR EM TEMPO DE CRISE?» e outros nesta hiperligação. Fala-se demasiado no passado (além de questões laterais), mas esquecem-se coisas que deveriam estar presentes, demasiado presentes e estudadas. Trabalho de casa, trabalho de casa e menos anexins ó deputado Elísio Freire. Escrevi, então, entre outras coisas:

    «Este Orçamento do Estado (proposta) é pensado para um clima instabilidade económica (como diz bem a Ministra da Economia) e, nesta perspectiva, o Estado não se pode dar ao luxo de investir a pensar em crescimento económico com base em receitas sustentadas e garantidas pelo investimento directo no país, receitas fiscais emergentes da riqueza produzida internamente e, tradicionalmente, remessas dos imigrantes e uma mais valia de um turismo de qualidade (cada turista deve(rá) ser visto como um embaixador da terra; mas não é). Estes factores (imprevisíveis, e se o são é num contexto de diminuição de receitas...) são, per si, aconselhadores de uma contenção nas despesas, mas não é, ao que parece, o que acontece.»

    Do ano passado para cá pouca coisa mudou, infelizmente. Agostinho Lopes aflorou alguns dos aspectos deste problema, mas precisava de mais folgo. A diminuição da taxa de desemprego efectivo, a pobreza estrutural, a crise da ELECTRA, a agonia dos TACV, a inexistência de saneamento básico adequado, a sustentabilidade económica e ambiental do país parecem o «Paradoxo de Aquiles e a Tartaruga» de Zenão. E o Orçamento que agora se discute é, substancialmente, mais do mesmo.

    Cristina Duarte explicou porque não recorreu ao Orçamento Rectificativo que era esperado o ano passado, aquando da discussão do OGE de hoje. Mas o que vai custar ao país «os recursos externos» a que se recorreu? A explicação da Ministra Cristina Duarte – que é uma óptima parlamentar! – não me convenceu, e seria desmontada se os deputados do MPD tivessem feito o trabalho de casa. Mas o problema é mais profundo, e entendo. As mesmas razões que se encontram na base do acordo de se congelar a questão da língua cabo-verdiana.

    Uma coisa é certa, o OGE não é uma comparação do passado mas sim uma gestão do presente e do futuro. Falhou objectivos, e tal deve(ria) ser assumido. Mas o Governo não o faz, e a Assembleia Nacional não se mostra capaz de escrutinar as questões. Há que repensar o discurso democrático.

    Ah, já agora: porque não perguntaram ao Primeiro Ministro pelo problema do lixo e do seu tratamento? O que diz o Orçamento Geral do Estado sobre isso? Confesso que fiquei curioso e vou dar uma vista de olhos no OE. O Presidente da Assembleia Nacional, Aristides Lima, começa a dar sinais ostensivos de parcialidade, o que não é nem será bom para a democracia nacional e para as suas ambições presidenciais…

  • SI EL HOMBRE PUDIERA DECIR

    Si el hombre pudiera decir lo que ama,
    Si el hombre pudiera levantar su amor por el cielo
    Como una nube en la luz;
    Si como muros que se derrumban,
    Para saludar la verdad erguida en medio,
    Pudiera derrumbar su cuerpo, dejando sólo la verdad de su amor,
    La verdad de sí mismo,
    Que no se llama gloria, fortuna o ambición,
    Sino amor o deseo,
    Yo sería aquel que imaginaba;
    Aquel que con su lengua, sus ojos y sus manos
    Proclama ante los hombres la verdad ignorada,
    La verdad de su amor verdadero.
    Libertad no conozco sino la libertad de estar preso en alguien
    Cuyo nombre no puedo oír sin escalofríos;
    Alguien por quien me olvido de esta existencia mezquina,
    Por quién el día y la noche son son para mí lo que quieroa.
    Y mi cuerpo y espíritu flotan en su cuerpo y espíritu
    Como leños perdidos que el mar anega o levanta
    Libremente, con la libertad del amor,
    La única libertad que me exalta,
    La única libertad porque muero.
    Tú justificas mi existencia:
    Si no te conozco, he vivido;
    Si muero sin conocerte, no muero, porque no he vivido.
    ------- Luis Cernuda
The seventh sky - Konstantin Kalynovych

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

  • DEPUTANDO COISAS INSÓLITAS

Um arquitecto – que não deve ter lido Copérnico, Galileu e Newton – causa esta obra de arte peniana (d’pixim d’terra, sima kiis dona cantora d’pon d’mar ta pregâ n’rua d’sabe y d’diazá na mund lá ne ruas d’Caniquinha, Kraca y de Um a Dez) uma vez por dia algures por aí. Coisas imprevisíveis, dir-me-á. Talvez, talvez. Tanto como o deputado da terra da fraternidade, perdão… da morabeza! que se lembrou de que o argumento não é à força verbal e da razão mas à cadeirada – caderada, diria o ufano representante (?) da nação. Há cada peixeirada! Digo: há cada caldeirada!

Deus! O melhor é ir ler um pouco de Adolfo Bioy Casares. Mas deixo-te, a ti que me lês – como convite a acompanhar-me na leitura –, estes versos de Dante Gabriel Rossetti, citados por JL Borges no brevíssimo prólogo que escreveu para «La invención de Morel» de Adolfo Bioy Casares:

I have been here before,
But when or how 1 cannot tell:
I know the grass beyond the door,
The sweet keen smell,
The sighing sound,
the lights around the soore...

O que sei é que, daqui onde estou, deputo a cadeirada – e penso se, por razões insondáveis, o arquitecto quis afastar os homens do local a dada hora, e por isso foi criativo o bastante para ter a sua voz gráfica sempre presente e na forma (todo lá dentro, da obra!).
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Grita-se, de forma gráfica: – «Kuidado cu kadera

Imagem: (Obrigado, Barbara B.)

Cristo en la Cruz, Salvador Dali (1951)

Crucifixion ("Hypercubic Body"), Salvador Dali, 1954, Metropolitan Museum Of Art, NY

***
  • VOZES DE ATENTAR

    Si Allah te abre una senda al conocimiento
    ¿qué importa que tus obras sean mínimas?
    La senda, sólo la ha abierto para darse a conocer por ti.
    ¿Acaso ignoras que el conocimiento es Su don
    y las obras tu ofrenda?
    ¿Qué medida común puede existir entre lo que El te da
    y las ofrendas que tú Le haces?
    Ahmad Ibn Ata'Illah, Kitab Al-Hikam (El Libro de la Sabiduría), I, 8

sábado, 21 de novembro de 2009

  • LORD BYRON’S LAST LOVE
Lord Byron viveu toda a sua como um heterosexual, pelo menos esforçava-se por parecer que o era – contrariava a sua natureza. Nos seus últimos dias de vida caiu de amores por um jovem, um grego de quinze anos, e a quem escreveu este poema. Louco de amor, o seu sentimento não era correspondido. E sofria. Morreu apaixonado, o poeta Byron.

I WATCHED THEE...

I watched thee when the foe was at our side -
Ready to strike at him, – or thee and me –
Were safety hopeless – rather than divide
Aught with one loved – save love and liberty.

I watched thee in the breakers – when the rock
Received our prow – and all was storm and fear
And bade thee cling to me through every shock –
This arm would be thy bark – or breast thy bier.

I watched thee when the fever glazed thine eyes –
Yielding my couch – and stretched me on the ground -
When overworn with watching – ne'er to rise
From thence – if thou an early grave hadst found.

The Earthquake came and rocked the quivering wall –
And men and Nature reeled as if with wine –
Whom did I seek around the tottering Hall –
For thee – whose safety first provide for – thine.

And when convulsive throes denied my breath
The faintest utterance to my fading thought -
To thee -to thee - even in the grasp of death
My spirit turned – Ah! oftener than it ought.

Thus much and more – and yet thou lov'st me not,
And never wilt – Love dwells not in our will –
Nor can I blame thee – though it be my lot
To strongly – wrongly – vainly – love thee still.

Imagem: Goodyear excellence, Jean Louis Grig

  • MANHATHAN SWEET1

    Copo: Cocktail glass
    Ingredientes:
    2 oz de Makers Mark ou Jack Daniels (Four Roses ou Jim Bean servem, mas dá um sabor diferente, mais delicado ou efeminado diria);
    ½ oz de Martini;
    2 gotas de angostura bitter (em regra usa-se uma mas eu gosto com duas pois fica com um travo mais forte);
    Uma cereja cristalizada.
    Forma de preparar:
    (i) Refrescar o copo
    (ii) Meter gelo em cubo no shaker
    (iii) Colocar o bourbon e o vermute no shaker e mexer (não bater, pois o gelo alarga e a bebida fico com sabor a água e o angostura bitter abre e dá uma aspecto turvo, castanho e desagradável a bebida que deve ter aparência próximo do bourdeaux, além de que o sabor é influenciado pela mistura violenta)
    (i) De seguida verter no copo, e depois colocar a cereja cristalizada (convêm que seja mesmo cristalizada, pois, por vezes, usa-se cereja em calda e/ou de conserva e não é a mesma coisa).

    Serve, e verá que terá uma bebida extraordinária (se não acertar a primeira, vai tentando pois o processo de aprender também educa o palato). Pode, quando já estiver treinado, verter o máximo de três gotas de angostura bitter no copo e brincar com a imaginação rodando o copo e fazendo desenhos abstractos antes de verter os demais líquidos no copo. Para as Senhoras, pode-se fazer com 1 ½ bourbon e 1 ½ de martini (pode ser dry martini para quem aprecie bebidas secas, o que altera ligeiramente a originalidade da bebida, mas descobrir é bom, não é?) e misturar os dois tipos de martini: rosso e bianco. Mas melhor mesmo, é experimentar até encontrar a "sua" formula.

Imagem: Diya Mirza

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[1] Prometi deixar aqui a receita, e cá está.

  • PROVÉRBIOS DO INFERNO

    Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço, William Blake, «Provérbios do Inferno» (13), in O Casamento do Céu e do Inferno

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

  • LA INSERCIÓN SOCIAL EN DIOS

En recuerdo de Alcestina Tolentino

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La muerte es demasiado grande para nosotros, los hombres. ¡Son páginas de mi corazón, riachuelos de mi que se van a la tierra verde contigo, o mi amiga! He cesado de esperar el tiempo de diserté que eres preciosa — no tanto como la vida, que, de verdad, solamente es preciosa porque lo vivimos —, amiga, puerta de acuerdos y desacuerdos y todo eso que hace la lucha necesaria que hemos heredado de dios o de las estrellas un terrero que es poco más que soportable. No importa, lo que importa es que somos herederos de demasiadas cosas, de demasiados ánimos, de demasiados sueños de otros y el mundo es demasiado ingrato y peñascoso para todo eso.

Me recuerdo de diserte, hace algunos anos, con la pasión que me férrea la razón y hace de mi un volcán, una lluvia de pensamientos, que «lo necesario es la integración» de los jóvenes delincuentes afro descendientes. Era por la tarde, sí, por la tarde. Y recuerdo-me de escucharte con tu voz de sueños cansados y de desencanto con nosotros, nosotros que eres tú, yo y ellos también y de anotar tu desacuerdo. Me dijiste que no, que lo necesario no era, no es la integración pero si la «inserción social» de ellos. Sí, me recuerdo y es verdad, tienes razón y te le dice entonces: tenemos de ser lo que somos, no importa adonde estamos, lo que importa es lo que transportamos, lo que somos… y eso es valor, dignidad.

¿Tendrá Dios hogar para los disientes como tú, como yo y los que sangren los sueños en las carreteras, puentes y en casas que no pueden comprar o vivir? Es como se fuesen pálidas estrellas en exilio forjado de dolor, ribaceras de nubles negras heridas y corazón tirano de amor que se da a la fiesta de ellos, siempre de ellos, los tiranos que amamos – los amantes segadores de nosotros, los hijos a quien damos esencia y todo y la tierra, la tierra que no desiste, sí, ¡que no desiste nunca! Yo creo que sí, que sí. ¿De otro modo, como es que la tierra no desiste nunca? ¿Porque es, como tú, como Dios y sus madres, mujer? ¡Oh, sí! Hay tierra que no desiste y hay tierra que se olvida.

Y continuaremos, tu y yo, en las crespas arenas olissipas esperando por el tiempo de hablar, de ferrar los balones del silencio que nos mira — a ti que no te miraran mas , y a eses caballeros ebrios de poder y que cabalgan sobre los sueños ajenos hasta al cielo de sus santas madres. Tienen una venta en los ojos, sabemos: miran el Sol, soberanos, pero no la estrada que los lleva a los elíseos. E estos, hay para todos. El camino importa más que todo, pues el final de la estrada es igual, demasiado igual. Y es por eso que la tierra, la tierra que olvida, no debería desistir.

La separación es, tienen que ser, demasiado pequeña para la persona. Ahora estas en la comunidad de los espiritos — parte de ti alimenta la tierra y la otra se insiere en la esencia del olvido de unos y de la memoria de otros. ¡Que triste! Mismo en la muerte… mismo en la muerte el valle es muy largo y los hombres demasiado estrechos de Ser, tan lucios y tan poco lucidos. La tierra que no desiste no. Es paciente demás para no bullir triunfante todos los días. Y me va a mirar, luego por la tarde, y me dirá:

— Mañana, eres tú.

¿Justo es, necesario es? — dime… yo no sé, tú también no. Mi ángel es de muselina, mi sueño un beso de principio y agua del Cantábrico en las calles del Teneré: por mañana quería a sueños de ella, imaginaciones de ella, huellas de ella, razones y no razones de ella, ella tudo… ¡y no a Hella! De verdad, ¡de verdad mismo! Lo que quería era vivir, vivir para siempre… y no sé como lo he de hacer. No lo sé esta mañana, pero a la tarde… eso es otra cosa. Hay que haber una forma de vencer la mañana, y puede ser que integrarme en Dios sea la solución. Enoch, Yudisthira y Melquisedec me darán unos consejos, yo lo sé. ¿Pero y yo? — dime. ¿Qué será de lo que soy, del niño que flotea sobre todo y los rincones de hierbas, flamas de silencios, hierbas de ella — ese amor que todos conocen menos yo —, baños de colores estrechos y que todo lo que sabe es que es más que la bruma de tus sueños y el sal de tu pan?

¡No! Sin Hella, sí. Sin ella, no.

La inserción en Dios es mejor, pero ser pecador y ella es más. Y me recuerdo de Camus, que quieren matar el descanso de sus huesos para lo colocar en el Pantheon de Paris, como sé el no estuviese ya en verdadero Panteón — ¡que no es el del Capitolino de Roma, el Supulcrum Adrianii y otros mas, no¡ , de los seres. Eso es el que está en el corazón de los hombres, eso que se chama memoria de la humanidad, eternidad, cualidad y esencia de Dios. Es lo que hace los hombres personas, unas personas más personas que otras… pues es lo mismo que separa los hombres de los puercos, Picasso de una mariposa y el efecto de esta de las estrellas en el firmamento, la orden de las cosas, como tu ahí y poco menos do que todo, yo aquí, África en mi corazón, yo en ella, ella en ella, ella en min. ¡Grande ditador!, vivir.

¿Hace sentido todo eso sin Dios, mismo que sea una mujer que quiere integrar-me, como te hace a ti, mi amiga? Sí, me recuerdo de Camus y del dia en que dice no, límpidamente ¡no! Rebelde se torno capitolino, y lo sabemos todos que hoy diría: — ¿No, al Panteón, no! Yo vivo para siempre, estoy adonde están los dioses de la tierra, en el Eliseo en que todos quieren Ser y ser yo antes de lo ser. Yo estoy inserido y integrado en la tierra, la tierra del Tao que todos tienen ahí, en el segrego bruto.

Y yo, soy una presa del tiempo.

Tengo hambre, muchísima hambre. De eso, eso todo, del efecto mariposa en Deus y en Hella, sí, en eso; pues ella es más que todo y lo será. Una sentencia lejana y después voy a mirarte en los ojos sociales, seres y tierra legándote al primero olvido de la tarde, al primero momento de nacer.

Yo no sé como se dice Adiós. ¡Me gusta quedar-me con todo!

Imagen. Angels and Epaulet, James Christensen‏
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Nota: este texto não era para ser editado, aqui ou em lado nenhum, é somente terapia matutina (escrever com pena e tinta, dos princípios do Sec. XX, é minha terapia preferida – e ler os Lusíadas, claro! Não estando por perto nem uma coisa nem outra, escrevinhar numa língua qualquer é satisfatório) de um dia pouco desejado. se fosse papel, estava rasgado. Logo posso precisar de ler o que acabo de escrever.

  • INGRATIDON D’GENT Y D’POVO
Um'me uvi nhe poeta, há b’kadim: — Kônd um morrê, um krê v’râ cinza e ser p’tod num komp d’batata p’tud gent k’mê um b’cadim d’mi. É nha forma d’homenajeá nhis gente. Mas se un tiver um pátria ingrôt, um ta dzê, sima Cipion Nasica gritá sis gent lá d’ Linterno, exilod y eskecid: Ingrata patria ossa mea non possidebis.
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E ke no eskecê kel dzê isso viv, t’sinti y t’sofrê ingratidon d’sê país.

O graffiti diz «Tenho fome»…(Metro de Tiblissi, Georgia)

Herman Van Rompuy

O Presidente do Conselho Europeu, Mister Europa... e como custou chegar aqui!

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A minha amiga Alcestina Tolentino, na maior aventura. Sic transit mundi.
*

Ave Maria, Jessye Norman

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

  • DEUS À CHUVA

    Ontem à noite vi Deus
    a passear nas sombras da chuva.
    Sorriu-me, e persegui-o.
    Ia fugindo das fundas, do coio e do mal
    a brotar do viscoso «Deus não existe…»

    Encontrei-o na seiva de uma folha
    nascida de árvore inominada
    — voltou a sorrir-me, e beijei-o.
    Mas pensava em ti, longe, aí.

    E onde estava Deus, outra vez?
    Procurei-o, sedento de falar,
    de ouvir tudo o que sempre quis.
    «Mas onde estás, ó Deus!?» — gritei.

    Com lágrimas nos olhos, vi-O
    outra vez: era um menino negrinho
    a sorrir e a balançar-se de enigmas
    nos braços da mãe: tinha o meu olhar.
    — «O que eu queria ver eras tu» — disse-me,
    enquanto seguia, verbo rasgado,
    nos meus sonhos de ti
    para te ver, e beijar-te
    com os meus olhos mutuados.
    ----- Lisboa, 15 de Novembro de 2009
Prima forma: Liberal

Imagem: Jovem pescador, Bua, Indonésia

I. Instrucción no es lo mismo que educación: aquélla se refiere al pensamiento, y ésta principalmente a los sentimientos. Sin embargo, no hay buena educación sin instrucción. Las cualidades morales suben de precio cuando están realzadas por las cualidades inteligentes.

II. Educación popular no quiere decir exclusivamente educación de la clase pobre; sino que todas las clases de la nación, que es lo mismo que el pueblo, sean bien educadas. Así como no hay ninguna razón para que el rico se eduque, y el pobre no, ¿qué razón hay para que se eduque el pobre, y no el rico? Todos son iguales.
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III. El que sabe más, vale más. Saber es tener. La moneda se funde, y el saber no. Los bonos, o papel moneda, valen más, o menos, o nada: el saber siempre vale lo mismo, y siempre mucho. Un rico necesita de sus monedas para vivir, y pueden perdérsele, y ya no tiene modos de vida. Un hombre instruido vive de su ciencia, y como la lleva en sí, no se le pierde, y su existencia es fácil y segura.

IV. El pueblo más feliz es el que tenga mejor educados a sus hijos, en la instrucción del pensamiento, y en la dirección de los sentimientos. Un pueblo instruido ama el trabajo y sabe sacar provecho de él. Un pueblo virtuoso vivirá más feliz y más rico que otro lleno de vicios, y se defenderá mejor de todo ataque.

V. Al venir a la tierra, todo hombre tiene derecho a que se le eduque, y después, en pago, el deber de contribuir a la educación de los demás.

VI. A un pueblo ignorante puede engañársele con la superstición, y hacérsele servil. Un pueblo instruido será siempre fuerte y libre. Un hombre ignorante está en camino de ser bestia, y un hombre instruido en la ciencia y en la conciencia, ya está en camino de ser Dios. No hay que dudar entre un pueblo de Dioses y un pueblo de bestias. El mejor modo de defender nuestros derechos, es conocerlos bien; así se tiene fe y fuerza: toda nación será infeliz en tanto que no eduque a todos sus hijos. Un pueblo de hombres educados será siempre un pueblo de hombres libres. – La educación es el único medio de salvarse de la esclavitud. Tan repugnante es un pueblo que es esclavo de hombres de otro pueblo, como esclavo de hombres de sí mismo.
---------- José Martí, Obras Completas, tomo XIX, Editorial de Ciencias Sociales, La Habana 1975, pp. 375-376.
Imagem: José Martí

quarta-feira, 18 de novembro de 2009


Paul Klee, Picasso y el Contagio de la imaginación, George Steiner

Ao Zé Cunha

  • O RANKING DA CORRUPÇÃO

    O que o estrangeiro diz não deve ser levado em consideração – anoto, pois li ou vi isso não sei bem onde. Onde será que foi, alma minha que te partiste neste momento de gozo sem prazer? Pragmatismo retórico, será.

    Mas foi publicado O Index de Percepção da C
    orrupção internacional da Transparência Internacional, e convêm lê-lo e, já agora, saber o que os Governos e as oposições dizem dele, não desta vez, mas de todas as vezes.

    Mas convêm ver, também.

    Imagem: Um iraquiano a votar (a democracia que os EUA levaram ao Iraque), e tem por perto um funcionário. O Iraque está no 176º. (estão a ter em consideração o Oil for Food Program?).

Sic transit Gloria mundi
*
Imagem: Luis Royo (1984)

terça-feira, 17 de novembro de 2009

  • A CUECA DA NATUREZA

    Tertuliano explica as razões porque se tornou cristão. Elas sempre me pareceram perceptíveis e compreensíveis à luz do mundo em que vivo… mas difíceis de compreender no seu tempo, por acarretar alguma irracionalidade existencial. Era, se assim se pode dizer, um elo dissociado da minha compreensão da sua pessoa, do seu pensamento, das suas opções e do seu tempo. Hoje, como que por uma epifania da razão, descobri o elo. Entendi. E é tão óbvio, tão elementar, tão patente — tão frio…

    Tem razão Vargas Villa, sobre a consciência das épocas. E lembro-me de José Martí, da sua reacção a morte de
    Garfield — não o gato, mas aquele que foi Presidente dos Estados Unidos da América: James Abraham Garfield — e do que dizia, no longínquo dia 1 de Outubro de 1881 (em artigo publicado no La Opinión Nacional, Caracas, 19 de octubre de 1881): «Quando se é testemunha das grandes explosões de amor da humanidade, sente-se orgulho de ser-se homem, assim como quando se presencia as suas prostrações ou fúria dá vergonha sê-lo. A morte é útil, a virtude é útil, a desgraça necessária e reparadora, porque desperta nos corações que a presenciam nobres impulsos de as eliminar. […] A dor alimenta, a dor purifica, a dor nutre.»

    A guerra corpo a corpo entre a lei do amor e a lei do ódio, como dizia José Martí, é contínua, como a natureza: todos os dias morrem e nascem coisas, sentimentos e pessoas, pessoas que morrem na luz e sem ira — digo eu. No plano da razão, também.
    «Sempre quis olhar para o meu caixão, ver-me exposto ao Mundo… saber onde andam as lágrimas. Curiosidade satisfeita. Vi a cueca da natureza» diz-me o meu poeta.

    Imagem: Mahmoud Ali, 8 anos (escola de Al-Qabs — Ramallah, Palestina)

Yo sé de Egipto y Nigricia,
Y de Persia y Xenophonte;
Y prefiero la caricia
Del aire fresco del monte.

Yo sé de las historias viejas
Del hombre y de sus rencillas;
Y prefiero las abejas
Volando en las campanillas.

Yo sé del canto del viento
En las ramas vocingleras:
Nadie me diga que miento,
Que lo prefiero de veras.

Yo sé de un gamo aterrado
Que vuelve al redil, y expira,
Y de un corazón cansado
Que muere oscuro y sin ira.
------ José Martí

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Como tinha prometido, inicio a publicação das Palavras Cínicas de Albino Forjaz de Sampaio. Hoje é tempo da primeira carta.
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***
Vi que a vida era má e escrevi estas cartas. Se as leres no meio de um festim, as porás de parte com enfado, mas buscarás a sua consolação quando o mundo te fizer chorar.

Carta I

Meu amigo:
Escrevo-te de longe, de muito longe, perdido nos confins deste meu bairro onde só muito fraco chega o rumor da grande cidade. De que hei-de falar? Da Vida? Pois seja. Tu vens para ela, para o imenso brouhaha. A vida é a escola do cinismo. Trazes coração? Esmaga-o ao entrar como uma coisa que nos compromete, que nos avilta. Se acaso és bom, tolice. Não venhas. Aqui para triunfar, é preciso ser mau, muito mau. Sê mau, cínico, hipócrita, e persistente que vencerás. Serás aclamado, respeitado e invejado. Ri do Bem e da Virtude, da Alma e do Sentir. Ri de tudo, que é preciso que rias. Abafa um protesto com um sorriso, uma agonia com uma gargalhada, um estertor com uma praga.

Sê polido, meu amigo. Encobre a raiva sob o riso, e o riso sob o pesar.

Sê mau, sobretudo. Se a alma compromete estrangula-a, se o riso desmascara sufoca-o, se o choro atraiçoa esfibrina-o às gargalhadas.

Não ames nem creias. Todo o homem que ama é homem perdido, e todo aquele que crê nunca será ninguém. Odeia sempre. Odeia os que sobem e os que pretendem subir, odeia os que subiram e os que um dia subirão. Odeia todos e desconfia. Lembra-te que o Ódio dá mais prazeres que o Amor.

A satisfação de ver agonizar um canalha, quer ele seja um mártir, quer ele seja um ladrão, é maior que a de sentir os braços opulentos de uma mulher que se entrega. É menos um. Sê pois forte como o diamante e como o Ódio.

No Amor —
gentil comédia — sê pródigo, e sobretudo nunca ames uma só mulher. Se és bom serás ridículo, se és mau serás temido. Sê mau sempre. Este farrapo a que se chama Vida foi, é e há-de ser sempre assim.

Tudo é egoísmo. Se és bom morrerás como Judas, se és mau, meu amigo, serás lembrado como Satã. Vem, mas vem cínico. Triunfarás, terás ouro, amantes, mulheres, o diabo.

Acredita que metade da humanidade nasceu para se rojar pela lama, para que tu, eu, todos os maus, todos os cínicos, a
esmagássemos e lhe cingíssemos fraternalmente as carnes com um chicote. Depois da morte há o Nada. Portanto, meu caro, aqueles que o sabem, o que pensam é em sugar a vida com um furor de agiotas sem entranhas. Isto é como no mar; já Shakespeare dizia que “o mugem vive para ser tragado pelo lúcio”.

Ou serás vencido ou vencedor. Se vencido esperam-te todas as humilhações, desde o desprezo até a compaixão. Se vencedor todos os triunfos, desde o respeito ao Capitólio. Luta sempre calado, fino, sabido, que se não tens jeito para isto serás um eunuco eterno, castrado para a Vida, para o Amor e para o sonho.

A raiva também tem o seu gozo, o Ódio também tem o seu amor. E o amor do Ódio é maior porque é mais forte. Não poderás gozar e serás mais desprezado do que uma serapilheira que o uso condenou.

A carne é matéria como a rocha, a rocha é matéria como a flor. Da mulher honesta à prostituta não há diferença, a distância de uma à outra é nula. Não beijam ambas? Uma por prazer, outra por precisão. Pois, meu caro, eu prefiro a prostituta sempre. Acredita que todos se vendem, homens e mulheres, palhaços e imperadores, Cristos e mendigos: a questão é de preço e o preço sufoca todas as consciências, todas as revoltas.

Acredita que falta quem compre toda a gente que se quer vender.

A mulher mais honesta capitula, e aquilo a que tu chamas acaso, chamo eu persistência, e a persistência gasta a vida como a água gasta a rocha. Tu és filho de uma prostituta pois que tua mãe só foi de teu pai e teu pai foi o primeiro a quem ela se entregou, que depois o egoísmo do seu amor fez conservar junto de si...
O seu corpo tinha gozos inusitados que ele demandou primeiro. E se teu pai não fosse dela, seria o primeiro que lhe agradasse, o primeiro que a sua carne lhe impusesse, o primeiro que passasse à sua rua. Assim, tu és filho de um operário como o poderias ser de um assassino. Podia mais a sua carne do que ela, mas o seu egoísmo foi maior do que a sua carne.

A vida é uma luta brutal” (Tourgueneff).

Tu crês em Deus? Crês sim, que bem o sei. Pois bem; vai dizer-lhe que eu o odeio com toda a força do meu ódio. Tu que te dás com ele, que crês nele, que és amigo dele, vai dizer-lhe que ele é mais vil do que as coisas vis. Vai dizer-lhe que eu o odeio, porque ele deixou morrer aquela criatura aqui do lado, cujos seis filhos abandonados me vieram comer o meu jantar. Vai dizer-lhe o ódio que lhe tenho por ele deixar morrer aquele justo, que por ser bom teve de se matar; diz-lhe finalmente que nada disto se deve fazer quando se é Deus.

Que me odeie agora também porque eu dei o jantar aos pequenos que não o tinham; que me odeie porque a última camisa a dei a um pobre que quase ma roubou; que me odeie porque eu o castigo como no outro dia castiguei um velho que maltratava um cão. Anda, vai dizer-lhe que me odeie, que se avilte ainda mais se é capaz...

A geração é de covardes e “cada ano que passa está mais corrupto o mundo” (M. Gorki).

Ah, não ter eu muito que dar a este pequeno miserável que me bate agora à porta, para que ele me chame o mais vil que o sol cobre, o mais canalha de todos, o mais indigno, o mais bandido!
Ele não se engana. Lá tem o seu raciocínio que não falha nunca. Dei-lhe tudo o que tinha e todavia vai a resmungar baixinho que um dia, um dia que virá cedo, me virá bater à porta com uma coronha e me há-de fuzilar a mim, o maior dos patifes que o socorri.

Vai-se embora a pensar que se fosse rico, havia de azorragar toda essa ralé que pede esmola e toda aquela que dá tudo o que tem. E cisma em ser um dia o maior dos Neros que o mundo tem visto; em ter um chicote com que possa de uma só vez azorragar a Terra, ele, cujo corpo deveria ser balançado no candeeiro ali defronte.
De trinta mendigos a quem dei esmola hão-de nascer noventa patifes para me apedrejar. Abençoada esmola! Mas explica-se. É que a minha esmola — esmola humana — fecunda lá dentro todo o meu cinismo e toda a minha canalhice.

Deste-me esmola? Muito bem, odeio-te. Odeio-te porque não posso também dar esmola e porque me curvei a ti. Toda a vida me fizeste bem, socorreste-me, agasalhaste-me. Um dia eu — mau como sou — estou por cima. Então eu havia de perder a ocasião de me vingar de tudo o que tu me fizeste? Chegou o meu dia. Agora, meu velho, eu sou maior, ouves? Eu dobrei-me e tu socorreste-me, mas eu dobrei-me. Eu era um faminto e tu sentaste-me à tua mesa, mas eu dobrei-me. Tive fome tu encheste-me, tive frio tu agasalhaste-me. Irritante Tu, sempre Tu.

E eu não podia vingar-me, mas agora chegou minha vez.

Acredita que todos aqueles a quem fazemos bem nutrem lá dentro a secreta esperança de um dia nos correrem a pontapé. Logo no primeiro dia em que não temam desconjuntar a bota quando o fizerem, percebes? Escutaste? Vem, se te sentes com forças. Demais és pobre. Então para ti a vida é tudo isto e tudo o mais que tu tiveres coragem de inventar. “O pobre será odioso até ao seu parente mais chegado” (Provérbios, XIV, 20), que não "merece carinhos quem não tempera caldo" (Silva Pinto), ouves? Tu virás e triunfarás. Tu serás mau e cínico e traidor. A Vida? "Seria loucura, na verdade, conservarmos alguns sentimentos compassivos quando vivemos em semelhantes cavernas" (M. du Camp).

A Vida é uma canalhice, uma farsa, “uma luta brutal”, como diz
Tourgueneff.

In Albino Forjaz de Sampaio, Palavras Cínicas

Imagem: Subvertive beauty, Luis Royo