sábado, 31 de janeiro de 2009

  • PALAVRAS DE ATENTAR

«O objetivo da existência é a iluminação. Só há um tempo em que é fundamental despertar. Esse tempo é agora», Siddhartha

  • Imagem: Walker VII, Igor and Marina

  • SALVADORES AFRICANOS E A HISTÓRIA
Nos últimos tempos tenho ouvido e lido, de todos os quadrantes da sociedade internacional de que Barack Obama é o primeiro descendente de africanos a gerir uma grande nação ocidental. Uma espécie de riso interior percorre a minha alma e pergunto a mim mesmo: – como é possível as pessoas terem uma visão tão estreita da realidade e da História? É a tal mentira de Goebbels, a que dita tantas vezes se torna verdade – verdade oficial, construída, como a que os juízes criam no seu labor jurisprudencial mas que, nem sempre e muita vezes, não corresponde à realidade.

É que, ao contrário do se houve e se lê, Barack Obama não é o primeiro (não, não publicidade da RTP1, não). Precederam-no muitos outros, como darei notícia quando estiver com disposição para escrever sobre isso. O primeiro salvou um grande Império da destruição total. Que Barack Obama possa realizar obra análoga – o factor da História está do seu lado.

Esta falta de memória é conspiração da História? Não. Não é, de todo. É sim conspiração contra as memórias de África e dos africanos, amarrados à ideia de que o seu passado é o da escravatura (Ah!, cidade velha… por onde te levam?). É a conspiração de Estado – consciente ou não – contra a cidadania e a africanidade. Não é opinião, é facto. Não é preciso ler-se uma multidão de tratados de História para se saber e se perceber isso.

  • I. SHORES OF SILENCE

1.
The distant shores of silence begin
at the door. You cannot fly there
like a bird. You must stop, look deeper,
still deeper, until nothing deflects the soul
from the deepmost deep.

No greenery can now satisfy your sight:
the captive eyes will not come home.
And you thought life would hide you from
the other Life that overhangs the depths.

You must know—there is no return
from this flow, this embrace within the mysterious
beauty of Eternity.
Only endure, endure, do not interrupt
the flight of shadows—only endure
dear and simple—more and more.

Meanwhile you always step aside for Someone
from beyond,
who closes the door of your small room.
His coming softens with each step
and with this silence strikes
the target of the depths.
Karol Wojtyla (João Paulo II)

  • Imagem: Stasys Eidrigevicius

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

  • OS JUÍZES, OS POLITICOS E A LEI PRAGMÁTICA

A Assembleia Nacional aprovou os nomes propostos pelo PAICV e pelo MPD para o Supremo Tribunal de Justiça. Uma machadada na lei – um mau exemplo para os cidadãos, pois o Conselheiro Raúl Querido Varela não se encontra(va) em condições de ser eleito. Legalmente deveria estar jubilado; e a lei é para todos. Pelos vistos a lei não é para ser cumprida, pelo menos pelos deputados na Assembleia Nacional, pelos menos quando se tem que ser-se pragmático. A bancada do PAICV teve medo do confronto, de ficar com o anátema de não viabilizar o Supremo Tribunal de Justiça.

Não entendo, não consigo entender os deputados nacionais que votaram a favor da nomeação do Juiz Conselheiro Varela – e, note.se bem, não está em causa a pessoa em si nem a sua competência técnica mas tão somente a legalidade da sua nomeação. Só consigo entendê-los se partir do ponto de vista que são não deputados da nação mas sim extensões do Governo e dos partidos. Recuso-me a aceitar isso. Seja qual for a resposta, a constatação é triste, muito triste. E – nestas circunstancias – como podem os deputados, que demonstram com esta acção que não respeitam as da nação, ser legisladores e esperarem que os cidadãos respeitam as leis que fazem? «Faz o que eu digo, mas não faças o que eu faço…» é demasiado arcano e feio para uma terra tão bela como Cabo Verde e para um Estado, muito menos um Estado de Direito.

O Procurador Geral da República e o Presidente da República, têm e devem ter uma palavra activa nesta matéria. A defesa da legalidade é a sua função e deve defende-la, doa a quem dor. Mas o sistema está tão anquilosado que – em tese e em dada situação, quem decidirá se o Dr. Raúl Querido Varela fica ou não no Supremo será o Dr. Bemfeito Mosso-Ramos. Isso se a questão da legalidade da Resolução for levantada antes da tomada de posse dos novos juízes do STJ. Noutra hipótese, de fiscalização sucessiva abstracta pedida pela Procuradoria Geral da República depois da tomada de posse, serão os seus pares eleitos a decidirem. O país não precisava nem precisa disso. Mas o Rule of Law não pode ultrapassado por ninguém. Eu, se fosse o Engº. Jorge Santos começava já a fazer contactos nas ilhas a ver quem se predispõe a ser Juiz Conselheiro, pois pode e deve(rá) ter más notícias da Presidência da República ou da Procuradoria Geral da República nos termos do Artº.275º. da Constituição.

Agora só falta acontecer uma coisa para o risível se tornar tragédia (em oposição à comédia): que o concurso do Conselho Superior da Magistratura Judicial venha a constar entre os vencedores os Juízes Conselheiros João Gonçalves, Fátima Coronel e Manuel Alfredo (actualmente juízes no Supremo Tribunal de Justiça). Mas uma coisa me deixa extremamente surpreendido (e intrigado noutro aspecto que não vem ao caso, pelo menos por agora): será que o MPD não encontrou nenhum cidadão nacional com as qualidades técnicas e a independência necessárias para ocupar o lugar que indicou o Juiz Conselheiro Raúl Querido Varela?

Mas, afinal, não é o MPD – como muitos arvoraram durante muito tempo – um partido de juristas, que, inclusive, colocou na Constituição um conjunto de normas (desnecessárias, diga-se an passant) sobre os Advogados? Essa gente de apurada craveira técnica desapareceu da face da terra da morabeza, iis t´enfiôd n´cu dum boi (como dizia a Alice Manobra) ou, de facto, o Supremo Tribunal de Justiça é uma coutada política e que é a confiança pessoal de um dado partido num determinado Juiz que determina quem deve exercer a função de Juiz Conselheiro? Note-se que, ao contrário do que parece ser um quase consenso nacional (por equívoco sobre o que é e deve ser a independência dos juízes?), não sou contra a nomeação de juízes para os tribunais superiores – se calhar o problema está no modelo do STJ… mas isso fica para as minhas notas sobre a Revisão constitucional a publicar no Liberal on line.

Ou será que o MPD, com esta sua acção quis ou quer demonstrar que as questões relacionadas com os tribunais superiores se resolvem somente por via da revisão constitucional? Se for isso – que até que não é nada mal pensado, mas maquiavélico – estaremos na mesma por nada, pois as propostas de revisão não trazem nada de substancialmente novo nesta matéria e o mandato dos juízes ora nomeados /ou eleitos não poderão ser afectados.

Mas e noutras coisas o país continua a ser pensado de forma casuística, sem sentido estrutural – é o que se passa como essas discussões de lana caprina substancial e que não atentam na causa das coisas. A preocupação é com os sintomas da doença e não com a doença. Assim, não vamos lá… não.

A verdade é que o MPD e o PAICV (onde anda a UCID?) têm, em sede de revisão da Constituição, uma oportunidade de ouro para propor ao país um novo paradigma de estrutura judicial que seja um sistema funcional e capaz de administrar a Justiça de uma forma independente, célere e com legitimidade democrática. Mais não digo, por ora.

  • The Rock of Doom, Edward Coley Burne-Jones

Nota: Avisado por um amigo de que a forma do acto da AN foi de Resolução e não de lei formal (não verifiquei a Constituição para confirmar a natureza do acto), fiz uma pequena alteração neste escrito. O que, em verdade, não afecta o sentido e a substância deste escrito e não ser num plano: em vez de demandar uma intervenção do Presidente da República em sede de fiscalização preventiva o faz no plano da fiscalização sucessiva. Mas a situação cria, por si mesma, um outro problema para o sistema judicial – mas isso fica para outro escrito.

  • O MAL
Continuam as lapidações no Irão.Não fique indiferente ao destino da(o)s condenada(o)s. Podes ajudar. Contacte a Amnestia Internacional

  • SOBRE A REVISÃO DA CONTITUIÇÃO EM CABO VERDE (1) – O SALÁRIO MINIMO
As opções políticas não são, nunca foram ou serão fáceis. Mas mesmo sendo difíceis por natureza, devem, sempre, procurar o que em ciência política se chama de «a escolha certa» – isto é, a melhor solução possível para os interesses da comunidade. Pelo menos em algumas coisas (nas questões da revisão da Constituição, na reforma do sistema judicial, na instituição de um salário mínimo nacional, da institucionalização da língua cabo-verdiana como língua oficial da República, na independência das opções governativas no plano fiscal, por exemplo) – devemos ser consistentes nas soluções e na implementação das mesmas. Criar normas para a Constituição semântica ou em contradição com o seu sentido sistemático e os valores constitucionais – nos planos político e jurídico –, não! Isso não. Assim como criar soluções provisórias (como no caso do sistema judicial), não é, de todo, a melhor solução: o país não pode ser um projecto adiado, em especial nestas matérias estruturantes. Mas deixemos esta questão para outra nota, outro dia que virá.

O MPD, por exemplo e para o que importa, preconiza no Artº.5º. do seu projecto de revisão da Constituição a instituição do salário mínimo nacional. Mas para quê e porquê? – pergunto. Diz o Artº.61º. da CRCV (Direito à retribuição):
«1.Os trabalhadores têm direito a justa retribuição segundo a quantidade, natureza e qualidade do trabalho prestado.

2.Por igual trabalho, o homem e a mulher percebem igual retribuição.

3.O Estado cria as condições para o estabelecimento de um salário mínimo nacional.»

Esta é a norma em vigor. A proposta (louvável em si mesma e cuja intenção social do MPD subscrevo, como, aliás, tenho vindo a defender há muito) é alterar o Artº.61º., nº.3, passando este a ter a seguinte redacção:

[...]
«3. A lei estabelece e actualiza periodicamente o salário mínimo nacional.»

Mas se subscrevo e intenção social da proposta, não posso nem devo concordar com esta forma de a tentar concretizar. E explico porquê. É que, em termos práticos, esta proposta não se muda nada – está-se perante semântica jurídica. Dir-me-ão que se passa para um enunciado expressamente programático e não exequível por si mesma para um enunciado injuntivo. É verdade que sim, mas também é verdade que a norma continua a ser uma norma não exequível por si mesma – isto é: não executável sem intervenção do legislador ordinário ou «bastante em si mesma», para usar uma expressão de Rui Barbosa.

Na verdade existe um equívoco sistemático do legislador constituinte cabo-verdiano ao colocar esta matéria na II Parte, Titulo II da Constituição (Direitos, Liberdade e Garantias) e não na II Parte, Titulo III (Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais). Este equívoco faz com que se confunda a natureza destes direitos e o seu regime específico: o dos Direitos, Liberdade e Garantias constantes da Parte II, Titulo I e Parte II, Titulo II, Capítulo I e II, que beneficiam, por natureza, do regime especial constante do Artº.17º. da CRCV.

A norma do Artº.61º. agora em causa, e inserido na Parte II, Titulo II, Capítulo III não deve estar aí, pois não é um direito, no plano sistemático, abrangido automaticamente pelo regime do Artº.17º. da CRCV mas sim um direito do plano dos Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais constante da II Parte, Titulo III da CRCV. Sim, para os mais atentos relembro que tenho presente a doutrina maioritária de Gomes Canotilho e Vital Moreira que consideram, e bem, que este direito é de “natureza análoga” aos Direitos, Liberdade e Garantias – mas nem por isso deixa de ser uma norma que, no seu enunciado, não é «bastante em si mesma». É, de todo, uma questão de opção política e de projecto social do legislador constituinte (note-se que – e já vou deixando claro a minha posição sobre “seeing all the Picture» sobre os Direitos, Liberdade e Garantias – esta é uma matéria que não pode ser objecto de Revisão da Constituição a não ser para alargar o sentido do mandado de optimização da Constituição e nunca para restringir os Direitos, Liberdade e Garantias) que enforma e condiciona toda a acção legislativa, inclusive a acção constituinte derivada.

Algumas constituições de sociedades com problemas sociais análogos aos de Cabo Verde – nomeadamente no plano laboral –, como a brasileira, resolveram este problema via Constituição e em sede de Direitos, Liberdade e Garantias. Mas não assim, não assim… não como esta proposta; de todo que não. Se a intenção do MPD é obrigar o legislador a criar um salário mínimo no âmbito de um programa social assumido pelo Estado na Constituição, não ficaria mal aos deputados da nação a leitura e a análise da solução constante do Artº.7º., inciso IV da Constituição Federal do Brasil e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro – pois nesse país em concreto o salário mínimo é visto como um direito e uma e uma garantia constitucionais, quer no plano sistemático quer no enunciado da norma que é, por si mesma, concretizadora do conteúdo desse direito e garantia.

A norma originária em Cabo Verde – assim como a que é agora proposta como reforma – são emergentes de um pecado original a nível do plano sistemático da Constituição; como muitos outros que a Constituição de II República enferma e que, a seu tempo, demonstrarei. É uma norma que ou é alterada substancialmente ou se cria o salário mínimo nacional por via da lei – já, antes da revisão da Constituição. Mais: não é compreensível nem aceitável (diria escandaloso até…) que um país Pais de Desenvolvimento Médio não tenha um salário mínimo nacional. E, concretizada a criação do salário mínimo nacional por via de lei, a alteração proposta é/será uma desnecessidade.

É que, como dizia supra, a alteração ora proposta não traz nada de novo aos cidadãos e à nação. Aliás, basta ver a redacção dos números 1 e 2 deste mesmo artigo 61º. da CRCV para percebermos – e ficar demonstrada esta minha breve argumentação – o que digo: onde está, em Cabo Verde, o «salário igual para trabalho igual» entre os géneros? Onde está a «retribuição justa» pelo trabalho prestado? Mas estão na Constituição e com o mesmo sentido injuntivo, não estão? Cumpriu-se, até hoje? Não! A questão não é, de todo, haver ou não normas constitucionais, mas sim de estas serem ou não respeitadas – como veremos ao longo destas notas que serão escritas e aqui publicadas. Um estado ou é de Direito ou não é – Estado de para-Direito é coisa inexistente e não desejável.

Um facto emerge como uma evidência: havendo acordo entre os parlamentares sobre a criação do salário mínimo (que, assim como outras matérias, deveria ser objecto de aprovação pela Assembleia Nacional por maioria absoluta e não qualificada) não deveria ser aprovada pelo Parlamento? Colocá-lo na Constituição, para ter o mesmo destino que têm tido o Tribunal Constitucional e o Provedor de Justiça que – passados dez anos – nunca saíram do papel e que foi preciso um escândalo nacional para se decidir a avançar com a sua instituição? Não! Colocá-la na Constituição, para ter o mesmo destino que têm tido a «retribuição justa» e o «salário igual para trabalho igual» entre os géneros? Não! O povo quer e merece mais do legislador nacional, isto é: dos seus representantes. Esta norma é o que esse chama «um paninho quente» – faz-nos sentir bem, mas não cura o mal que nos afronta.

Só fará sentido que essa norma seja colocada na Constituição se houver uma razão imperativa e justificada (mas onde ficará, então, o país PDM?) para a não imposição de um ordenado mínimo nacional e houver um mecanismo de Fiscalização da Constitucionalidade por Omissão na Constituição a ser revista e em moldes para além do mecanismo clássico. Acontece que nenhum dos Projectos apresentados prevê esta figura da fiscalização da constitucionalidade por omissão – que é, deve ser, um dos instrumentos maiores de intervenção social do futuro Provedor de Justiça e de fiscalização jurisdicional das omissões do Governo. Para não dizer de concretização da boa ideia de fazer os cidadãos participarem de forma imediata na acção política, nomeadamente na sua fiscalização. Temos, devemos ser… consistentes nas soluções e não ter medo da cidadania participativa. Esta não é, de todo, um perigo para os partidos mas sim um incentivo à sua qualificação e um factor mediato de responsabilização política.

Se o PAICV, o MPD e a UCID querem a instituição do salário mínimo nacional, porquê é que não chegam a um entendimento sobre isso e aprovam, já – agora, na Assembleia nacional e em forma de lei – essa lei necessária? Se alguém não a quer, que o diga, agora. O povo fica a saber o que uns e outros pensam. Deixemos a Constituição curar do que deve curar. É que, a ser assim – ficando esta norma na Constituição – sempre se pode(rá) vir a dizer que é uma norma programática não exequível por si mesma (e é... na actual redacção e na proposta em causa). O povo de Cabo Verde exige dos seus representantes uma dimensão mais prática do exercício do poder e mais e maior utilidade e efeito prático nas suas vidas. Mas isso, de todo, não pode sacrificar os valores que enformam a Constituição – é que esta é o espírito da comunidade em forma normativa. Voltarei, a seu tempo – se Deus quiser –, à questão da Fiscalização da Constitucionalidade por Omissão.

A sede constitucional não é panaceia nacional – temos, como cidadãos e como sociedade una, de ter consciência disso. E, é bom que se saiba, não podemos estar, a cada revisão da Constituição, a mudar tudo para ficarmos na mesma. E nesta questão do salário mínimo nacional o que é preciso não é a revisão da Constituição, mas sim cumprir-se com ela… aprovando uma lei que a institua. E já tarda há muito.
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quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

  • COISAS INSÓLITAS

A natureza também é poeta – também tenta escrever os Lusíadas.

  • MAS QUE QUERIDOS!

Não tenho visão de raios x, não.
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Será que o MPD não vê que o Conselheiro Raúl Querido Varela não é legalmente elegível para o cargo no Supremo Tribunal de Justiça? Será que o Egrégio Magistrado, já de provecta idade (83 anos – segundo biografia do mesmo no STJ), também, não vê esse facto e a lei que entram para os olhos de todos? Se o MPD não tem mais nenhum nome a apresentar, que tenha uma decisão politicamente correcta: o candidato a concurso, junto do Conselho Superior de Magistratura Judicial, imediatamente a seguir na lista dos vencedores do concurso a decorrer que seja a pessoa indicada. Agora, independentemente das qualidades do Conselheiro Raúl Querido Varela, ignorar a lei – não.

E se era para manter o Conselheiro Raúl Querido Varela no lugar, para quê é que o Engº. Jorge Santos não chegou a acordo com o Dr. José Maria Neves? Esta decisão é do pior que se viu em Jorge Santos – e bem que pode, se é que não deverá custar-lhe a liderança do MPD pois aos olhos do povo é, nesta matéria, pesado na balança e achado em falta. Imagino, daqui das bordas do meu pensamento, o Primeiro Ministro José Maria Neves a esfregar as mãos de contente. É que, a confirmar-se a notícia veiculada pelos media em Cabo Verde, o PAICV não pode perder nesta questão – é uma guerra já ganha, no plano político e social. Aselhice, Engº. Jorge Santos! Aselhice política pura – é o que se pode dizer, no mínimo.

– Ah, que queridos! – exclamará o Primeiro Ministro.

Talvez, com essa querideza toda, o PAICV resolva não encostar Jorge Santos e a bancada do MPD à parede na altura da votação. Talvez… mas que o líder do MPD é merecedor disso, lá isso é. Os cidadãos cabo-verdianos é que não merecem algumas coisas. «Ninguém merêci, não…» – ouvia ainda, alguns meses atrás, nas ruas de uma bela e aconchegante cidade brasileira. A voz, como sempre, era uma pobre mulher injustiçada.
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  • Imagem: Esperança, George Frederick Watts

  • MOMENTO ZEN

«A tua atitude deve ser como a de um herói sem medo; mas o teu coração deve ser como o de uma criança, cheio de amor», Regras de Soyen Shaku

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

  • O TACHO E A INCONSTITUCIONALIDADE DO ALUPEC

Porque será que os defensores militantes sa instituição do ALUPEC dizem sempre «Ka ten tadju»? – pensei. Mas alguém perguntou, se tem ou não tem? O que sei é que o ALUPEC – independentemente dos seus méritos e/ou deméritos – cria não um tacho mas um caldeirão e um cadeirão para alguns. Mais: o problema, neste momento, não é, para mim, a manifesta tentativa de imposição do ALUPEC – o problema é a sua fundamentação técnica, legal e constitucional.

O Mui Ilustre Casimiro de Pina, defendia no outro dia – em Carta Aberta
a Jorge Santos, líder do MPD, e publicada no Liberal on line – a inconstitucionalidade do ALUPEC. Concordo com ele, mas as minhas razões são, de todo, diferentes das dele. Aliás, basta ler-se o Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e a Resolução do Governo nº.48/2005, de 14 Novembro e as respectivas fundamentações constitucionais e exposição de motivos e cotejar as mesmas com a Constituição para se verificar que essas normas são flagrantemente inconstitucionais. A falta de uma cultura da Constituição leva a estas coisas, tão ostensivamente violadoras da norma fundamental da Nação. Basta(va) perguntar à língua materna qual é a sua natureza para se ter uma resposta:

– Sou um direito, uma liberdade e uma garantia de identidade de todos os cabo-verdianos.

Ora, com esta resposta – necessária – a questão é clara: o Governo não tinha nem tem competências para legislar nesta matéria. Por isso é que vem agora, com uma projecto de Lei, apresentar o ALUPEC à Assembleia Nacional. É… o ALUPEC sofre deste pecado original: inconstitucionalidade orgánica, formal e material. E, como se não bastasse a violação da Constituição, essas normas inconstitucionais ab ibnitio não foram, de todo, respeitadas. Basta ver-se os pressupostos do Decreto-Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro e fundamentação da Resolução do Governo nº.48/2005, de 14 Novembro. O que o Governo quer fazer, agora, é meter um dedo no olho do povo.

Assim, não. E, note-se, não sou contra o ALUPEC ou qualquer outra forma de escrita do cabo-verdiano (cuja institucionalização deve ser um desígnio nacional – a meu ver): sou é contra essa forma errática de fazer as coisas.

  • Giovanni Belinni, A Anunciação, Painel de S. Vincent Ferrar, Igreja de S. Giovanni e Paolo, Venise

MOMENTOS DA HISTÓRIA


Lula Inácio da Silva na greve dos metalurgicos de 1979

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

  • LIVROS QUE MERECEM MAIS DO QUE SER LIDOS
Agora que foi apresentado os Projectos de Revisão da Constituição e, depois de os ler, penso: o que andou a fazer, durante anos, uma Comissão para a Revisão da Constituição? Não sei… o que sei é que estes projectos, todos eles, têm propostas incompatíveis com a Constituição em vigor. Como irei demonstrar a seu tempo, aos poucos, para o(s) argumento(s) poder(em) ser digerido(s) como deve ser. A propósito disso, aconselho uma obra que, sendo uma monografia, é incontornável na moderna teoria da Constituição:

OTTO BACHOF, Normas Constitucionais Inconstitucionais?

Um livro difícil de encontrar; como as boas pérolas. O meu exemplar é dos meus tempos de estudante – na altura era um livro raro (OTTO BACHOF, Normas Constitucionais Inconstitucionais? Atlântida Editora, Coimbra, 1977). Mas existe edição da Almedina e outra brasileira que poderão ser compradas através da internet.

PRODUTO ESTRUTURAL DE VAGAR REPENTINO
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Fiz uma pausa na produção de um documento que se revela interminável. A melhor coisa a fazer – disse a mim mesmo – é pensar em algo que não tenha nada ver com o objecto. A melhor forma de abater um momento de reflexão é lembrarmo-nos do passado. E lembro-me, agora, do passado. Tiro uns minutos para relembrar uma quase tradição dos meus tempos de trabalhador-estudante, altura em que escrevia versos para os meus amigos oferecerem às namoradas.

Num impulso resolvo: vou passar a fazer pequenos postais para os meus amigos (talvez assim deixem de me pedir modelos de mensagens sms) e visitantes de Terra-Longe oferecerem às pessoas amadas. Leva mais ou menos o mesmo tempo que escrever um sms à medida da necessidade de um amigo. Fiz, agora, meia dúzia – produto deste pequeno vagar.

Mount Fuji, Japan

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

AFTER PASSING THE EXAMINATION, Po Chui-I

For ten years I never left my books;
I went up ... and won unmerited praise.
My high place I do not much prize;
The joy of my parents will first make me proud.
Fellow students, six or seven men,
See me off as I leave the City gate.
My covered couch is ready to drive away;
Flutes and strings blend their parting tune.
Hopes achieved dull the pains of parting;
Fumes of wine shorten the long road....
Shod with wings is the horse of him who rides
On a Spring day the road that leads to home.

  • Imagem: Joan Miro, Tete, 1974

  • A CRISTINA O QUE É DE CRISTINA
A Ministra das Finanças, Cristina Duarte, anunciou a criação de uma instituição bancária com o objectivo de combater a exclusão social que é estrutural em grande parte por causa da exclusão financeira. É uma boa ideia e que se deve aplaudir pois o Estado assume, deste modo (ainda que de forma mediata), o que tem sido uma das lacunas fundamentais do programa social nacional.
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Agora, tal deve ser enquadrado num programa social abrangente de combate a pobreza, nomeadamente a estrutural e geracional. É disto que o país precisa: de boas ideias que, no plano prático, dignifiquem a vida das pessoas e ajudem o desenvolvimento da nação. Faço vénias à iniciativa e fico a espera de mais; de mais porque o país precisa de mais e de melhor.

  • OS ANJOS E A POLIGAMIA
O sexo dos anjos – parece ser questão muito controversa e, como expressão, é tido como sinónimo de interminável vexata quaestio. Mas não – até que é uma questão bem simples, no plano em que deve ser aferida. Mas deixemos o sexo dos anjos para outra altura e pensemos em dois homens que, ao que dizem, se cruzaram com eles.

Sim, duas pessoas com ideias extraordinárias – e conseguiram pô-las em prática. Maomé viu o anjo (= mensageiro) Gabriel que lhe ditou o Corão – a verdade definitiva de Deus, segundo ele. A mensagem de Moisés e dos outros profetas estava obsoleta, o Evangelho de Jesus Cristo – que tinha novado no plano do Amor Ágape a mensagem vinda dos primórdios da criação e que tinha sido dada como promessa a Abraão e sua descendência – também estava out. E nasceu o islamismo. Não!, não vou falar do aspecto político desta emergência, não…

Joseph Smith, não esteve por menos: aparece-lhe o Anjo Moroni e, como as verdades estavam desgastadas e Deus tinha pensado melhor nos comandos a humanidade, lá deu ao homem a nova verdade. E nasceu a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias – vulgo Igreja mórmon.

Além dos anjos, estes homens tiveram ainda uma coisa em comum: muitas mulheres. Mas, afinal, um homem, mesmo santo, não deve(rá) gozar a vida? – terão pensado. A um esperava-o doze virgens no Céu – deixou nove viúvas ao morrer –, o outro não: como não se sabe se existem ou não virgens no Céu, o melhor que fez foi de as aproveitar enquanto cá estavam.

O que pensarão Deus e os anjos disso tudo? Sim, o quê? Bem, para saber, terá de ler o Corão e o Livro do Mormom – parece que o próprio Deus dispensou os mensageiros (anjos) e apareceu aos profetas. Uma boa ideia deve ser alimentada. Percebe, agora (?), porque o diálogo inter-religioso é difícil? E fica uma outra ideia: Deus, afinal – para estes doutrinadores –, muda de ideias...

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  • Imagem: Joseph Smith recebendo do Anjo Moroni as placas de ouro com o Livro do Mormom

domingo, 25 de janeiro de 2009

  • CHIEF JUSTICE ROBERTS E CABO VERDE
Pois é… parece ser uma anedota difícil, não é? Mas quem percebe alguma coisa de Direito, Justiça e políticas da Justiça, compreende(rá) logo. Mas em Cabo Verde, no Supremo Tribunal de Justiça, o que não faltam são adeptos (conscientes ou não) do strict constructionist.

sábado, 24 de janeiro de 2009

  • MEMÓRIAS DA INIQUIDADE
Por onde andará esta pessoa? – pergunto-me.
Graças a Nelson Mandela, Steve Biko e uma multidão de heróis anónimos e com nome pôde dizer um dia – como sonhava Martin Luther King, Jr: “Free at last, free at last! Thank God Almighty, I’m free at last.”

  • ARTE E ARTESANATO EM CABO VERDE
Gostaria de perceber a lógica das pessoas que chamam artesanato à arte africana quando feita por africanos. Sim, porque quando é feita por gente de outros quadrantes civilizacionais, das terras da “cultura”, é arte. Serafins de harpa nimbam os céus de árias imodestas e nascem artistas como que por geração espontânea de almas novas. Mas não deveria ser assim – é um paradoxo existencial, pois o outro é visto com um superior a representar a nossa arte.

Pablo Picasso (que com Salvador Dali protagonizaram uma verdadeira ruptura epistemológica no plano estético da arte) não negava, de todo, a influência da arte africana na sua pintura – mas ele via-a como arte, representação da existência nua e dos seus tabus sem véus. Mas o Governo de Cabo Verde vê essa mesma realidade como artesanato (basta lembrar lembrar o discurso do Primeiro Ministro por altura do Natal – fraco, mas com algumas mensagens subliminares que vão sendo descodificadas...). É, de todo, a prova de que a cultura em Cabo Verde é enformada por um paradigma europeu conservador e não se acredita nem se valoriza o que nasce nos socalcos e nas fraldas da terra que já foi verde – mas vai parindo filhos com alma, sim… vai parindo sim.

Temos esta sina escusa: não sabemos vender o nosso peixe – bem, também o que temos é migrante como nós, povo das ilhas e desencarnada da terra, “de lo menos tierra de la Tierra”, para usar as palavras de Dulce Maria Loynaz del Castillo. Um dia as nossas raízes levantar-se-ão de uma terra sem vergonha do que é e não será tributável.
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  • Imagem: Mascara Africana, Maria Isabel Magalhães

  • CABO VERDE E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
Em Cabo Verde pensa-se em aderir ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional . Para isso – segundo muitos, não é a minha opinião – será preciso rever a Constituição. Acontece que tal não é possível de ser feita, tendo em consideração algumas normas do ETPI. E ou (a) assumimos uma dada dimensão da força jurídica do Direito internacional na ordem jurídica interna do país, (b) fazemos tabula rasa da Constituição e a alteramos a revelia dos seus limites materiais ou, ainda, (c) não aderimos ao mesmo e encontramos uma possibilidade de resolver a nível interno os problemas que levaram a criação do TPI – o que, em tese, é de todo exequível. É simples, não é? Existe, ainda, uma outra hipótese – bem, mas bem mais radical…

Ou somos e temos um Estado de Direito ou não. A adesão ao ETPI não é nenhum desígnio nacional nem uma necessidade imperiosa. Tem uma dimensão ética considerável, mas não pode sobrepor-se aos valores plasmados na Constituição da República ao ponto de impor a sua alteração quando, de todo, é possível uma solução dentro do plano da ideia de soberania e identidade ética nacionais. É que convinha que o país mantivesse alguma reserva de soberania – este é um dos poucos casos em que pode fazer isso com elevação. Mas a procissão ainda vai no adro – só espero que a Constituição não seja o vaso que vai à fonte…

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  • Imagem: Tribunal Internacional Penal, Haia, Holanda

  • DRY MARTINI… SECA DE NOITE

Estou a trabalhar, apetece-me um Manhattan sweet straight up – com Makers Mark ou Jack Daniels e um toque de angostura Bitter. Ah, uma multidão de beijos, também... Mas não dá –estou a trabalhar. Para não ser acusado de só aconselhar livros e de gostar demasiado da natureza, aconselho um outro prazer. Pode ser este: a classic martini.

Assim, quando for beber um ou dois martinis, seja ele um dry martini (se gostar de gin, peça com Bombay) ou uma vodka martini, deixe-me dar-lhe dois conselhos:

1. Peça sempre straight up – mexido mas not shaked, É que se for batido no shaker o gelo dilata e a sua bebida fica com sabor a água, perdendo parte substancial do sabor. O old James Bond sabia porque o pedia assim… pois claro! Se gosta da bebida fresca, certifica-se de que o glass é previamente refrescado e que a bebida não fique muito tempo em contacto com o gelo.

2. Peça ao barman, de preferência, uma cebolinha para o martini – se o estabelecimento tiver, é porque está, em princípio, num sítio de qualidade. Caso não haja cebolinha, virá, necessariamente, com uma azeitona. Mas atenção: uma azeitona de martini – não uma recheada. Se for desta, manda a bebida para trás! A azeitona recheada (como a que está na imagem) é para uso culinário e boa para churrascos, mas se beber o martini com ela fica(rá) com o sabor a pimento ou algo análogo na boca. Não é essa a ideia que terá de um dry ou um vodka martini, pois não?

– Ah, mas isso é nove horas a mais para uma bebida… – dir-me-á. Talvez… mas eu gosto de conhecer os meus prazeres e apreciá-los. E quem os serve deve saber como servi-los, não é?

  • Imagem: Vodka martini em copo quente e azeitona recheada…

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

  • PALAVRAS DE ATENTAR

Dizia, não sem razão, o Príncipe Iván a Kalinovitch:

«Na literatura, como na vida, é preciso recordar uma lei: há sempre mil ocasiões para lamentar ter falado demais, mas nunca por ter falado de menos.» in Mil Almas, Písemsky, tomo I, Lisboa, 1974, p. 189

  • Imagem: The First Mourning, William Bouguereau

  • A OPORTUNIDADE DO ALUPEC
Leges imperfectaes: coisas longínquas e próximas. Das próximas, incomoda-me estes projectos de revisão da Constituição que não dão soluções às agruras e necessidades da nação e fazem um ataque cerrado à própria Constituição e às liberdades individuais dos cidadãos… e estes, para meu espanto, silenciosos. Ó meus bons compatriotas, acordai! Enquanto ainda é tempo. Quem acordou, por fim, e percebeu (?) que a Decreto-lei Nº. 67/98, de 31 de Dezembro da Assembleia Nacional sobre o ALUPEC é flagrante, ostensiva e escandalosamente inconstitucional é o Ministro da Cultura, Manuel Veiga.

Quero pensar que é isso que percebeu e quer, agora, apresentar um Projecto de Lei à Assembleia Nacional para concretização legal do cabo-verdiano como língua de trabalho oficial. A falta de coragem política tem, agora, um lenitivo com as propostas de Revisão da Constituição nesta matéria (as propostas nesta matéria, dos dois projectos que li, são, de todo, inócuas). O Ministro da Cultura quer chegar à terra com o ALUPEC antes da Constituição, pois claro. Mas saberá o Ministro da cultura que correr fora de tempo não conta?

Quero, enquanto povo, ver os fundamentos a exposição de motivos – do Projecto; sim quero ver quais são as razões técnicas e os fundamentos científicos que o acompanhem. As conclusões apressadas de reuniões de comadres e compadres – de um lobbyzinho linguístico – como a mesa-redonda que aconteceu no mês de Dezembro para celebrar o 10º. aniversário do ALUPEC…


Esta última reunião (pois é…) e outras promovidas ad hoc, que fique claro, não substituiem – de forma nenhuma – o trabalho técnico de discussão e de promoção do ALUPEC demandado pela Decreto-lei Nº. 67/98, de 31 de Dezembro e que não foi feito. Onde está a comissão técnica e o trabalho objectivado em Relatório que, nos termos desta Resolução (independentemente do seu valor ou desvalor constitucional), deveria ter sido feito? Não se pode agir de ânimo leve em coisas importantes – como é o caso da língua. Acordou-se, de repente, após uma década de hibernação ao sol e à sombra da bananeira. É, em parte, efeito da aproximação de uma Revisão Constitucional necessária (os projectos que já li são, em grande parte, socialmente autistas) e uma sociedade aberta e atenta…

Esta questão da língua cabo-verdiana (e sou, há muito, defensor da positivação da mesma e tenho consciência de que é uma necessidade) é importante mas não pode nem deve ser decretado a revelia das normas preestabelecidas nem imposta à sociedade cabo-verdiana sem um consenso alargado. Estamos num Estado de Direito e não numa República das Bananas em que as normas pré-estabelecidas não são respeitadas e o povo só serve para festas e votos para o que não os afecta directamente. Como dizia o poeta, a minha língua é a minha pátria – e devemos respeitar e promover o cabo-verdiano com dignidade, com regras e respeito pela identidade linguista do país e da nação cabo-verdiana.
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  • Imagem: Andy Warhol

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

  • D. JOSÉ POLICARPO E O CASAMENTO DE CRISTÃOS COM MUÇULMANOS

Não percebo, sinceramente, a surpresa com que a sociedade portuguesa – acicatada pelos media – viu na semana que passou as declarações de D. José Policarpo, Cardeal Patriarca de Lisboa. O homem sabe o que diz – ao contrário de quem o criticou que não quer saber da essência do que critica.

Como é que um povo se pode dizer cristão sem saber o que a sua religião ensina? Como é que uma sociedade pode criticar um facto social se não sabe o que se passa no interior da sua sociedade, não está atento às problemáticas que o casamento inter-religioso, no actual contexto social planetário implica? O que o Cardeal Patriarca de Lisboa disse é o que a Igreja defende há dois mil anos – S. Paulo diz claramente que os cristãos não devem casar com «um jugo desigual», o que é dizer com ão cristãos. É a doutrina da Igreja cristã desde sempre, daí se exigir na igreja católica o baptismo e nas protestantes evangélicas a conversão. Nesta casar-se com pessoas «do Mundo» é pecado extraordinário.

O islamismo e o judaísmo também pensam e ensinam a mesma coisa – no judaísmo é-se, ainda, mais severo: judeu casa com judeu sob pena se exclusão da comunidade religiosa e social. É o que se ensina, entre portas. Dizer isso publicamente, não – é pecado. Pecado de sinceridade.

Mas D. José Policarpo quis ir mais longe (e já nem penso nos problemas legais e judiciais que esta questão tem levantado no país – nomeadamente com os «casamentos brancos» ou de «conveniência»), quis chamar a atenção para o facto de que existem planos do chamado diálogo inter-religioso em que o diálogo é impossível pois para haver diálogo há que haver transacção e o islão, o judaísmo e o cristianismo não são, de todo, permeáveis a esta ideia.

A intransigência dos princípios basilares destas religiões não permitem, nem nunca permitirão, quaisquer tipos de diálogos profícuos. O diálogo inter-religioso é uma falácia se o que se quer é que todas as religiões falem a mesma linguagem social ou religiosa para a construção de uma sociedade global melhor e mais solidária. Tal não é possível, pois estas religiões têm visões e/ou projectos de Mundo substancialmente diferentes.

Mesmo no pano da convergência de pontos de vista para a criação de uma Civilização do Amor – ideia emergente do Consílio Vaticano II –, que é/seria de almejar por todos, a divergência é patente. Não vale a pena fingir-se que existe diálogo onde não existe e não é possível, nem se deve ter medo, como bem diz D. José Policarpo, do confronto – sim, do confronto de ideias e de perspectiva sobre o futuro da humanidade.

Bastará lembrar as perseguições aos cristãos em Jerusalém e em todo o Israel na emergência do cristianismo, «a guerra santa» e as suas causas, a perseguição aos judeus na Europa, a inquisição, as causas profundas do conflito israelo-palestiniano, etc. As afirmações contundentes de que «só Alá é Deus e Maomé o seu profeta» e «que eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao pai senão por mim» são, por si mesmas, condicionadoras de todo e qualquer diálogo que se possa chamar como tal.

A história é eloquente e, todos os dias, mata qualquer forma de diálogo entre agentes que se excluem uns aos outros no plano dos princípios e da teleologia da acção. Terão, sim, um inimigo comum: a negação de Deus. Mas, paradoxalmente, é um homem que não é religioso, Mário Soares, que preside a entidade responsável em Portugal para a promoção do diálogo inter-religioso. O que, por si só, é prova bastante de que um inimigo comum não basta para haver diálogo. A humanidade avançará mais com o confronto de ideias e de ponto de vistas – sobre Deus e sobre tudo – do que com a aparência de dialogo que, em si mesmo, não esclarece nada e deixa tudo, necessariamente, na mesma.

Quer se queria quer não, o Mundo há muito que se encontra perante um conflito civilizacional – à laia de paninhos quentes e de uma falácia de diálogo –, tem-se feito de tudo para não a encarar de frente e sem rodeios. O medo, de todo, nunca foi um bom conselheiro.

Ouça as declarações do D. José Policarpo:
http://tsf.sapo.pt/paginainicial/vida/interior.aspx?content_id=1071469
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  • Imagem: Salvador Dali, Arab,1962

  • EL VIAJE DE VIRGILIO
Que la poderosa diosa de Chipre
y los hermanos de Helena, lucientes astros,
y el padre de los vientos te guíen,
y sople el Yápige favorable,
oh nave que me debes a Virgilio, a ti confiado.
Te ruego que lo restituyas incó1ume
a las regiones Áticas
y conserves así la mitad de mi alma.
De roble y triple acero
estaba rodeado el pecho
de quien atravesó por vez primera
el piélago cruel en frágil balsa,
y no temió los ímpetus del Ábrego
en lucha con los Aquilones,
ni a las Híades tristes,
ni la rabia del Noto,
dueño absoluto del Adriático
que a su gusto levanta o apacigua las olas.
¿Qué cercanía de la muerte infundió miedo
a aquel que con los ojos secos
vio los monstruos nadando,
el mar airado y los infames
arrecifes de Acroceraunia?
En vano un dios prudente
separó la tierra del insociable Océano,
si es que naves impías
surcan prohibidas aguas.
Audaz en perpetrarlo todo,
la raza humana se precipita
por el abismo de lo sacrílego;
audaz, el linaje de Jápeto
trajo el fuego a los hombres,
valiéndose de engaños;
y, tras el fuego, arrebatado
de la mansión celeste,
la palidez y una cohorte nueva
de fiebres invadieron la tierra,
y la necesidad de morir,
tardía en otras épocas,
adelantó su paso y su llegada;
Dédalo atravesó el éter vacío
con alas no otorgadas al hombre;
un trabajo de Hércules
traspasó el Aqueronte:
nada imposible hay para los mortales.
En nuestra estupidez,
ambicionamos el propio cielo,
y, por culpa de nuestros crímenes,
no dejamos que Júpiter deponga
sus rayos iracundos.
Horácio, Carminum, I. 3

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  • Imagem: Salvador Dali, S. João? (1981)

  • COISA DE ATENTAR
Humberto Cardoso, deputado da nação na Assembleia Nacional publicou on line o Projecto de Lei de Revisão da Constituição da sua autoria e que merece ser lida e discutida. Não partilho da perspectiva do mesmo, pois penso que, no geral, as soluções que apresenta (salvo um ou outro aspecto) não vêm ao encontro do que são as necessidades do país.

Saúdo a iniciativa, mesmo não concordando com a sua substância. Para ler aqui:
Humberto Cardoso - Projecto de Lei de Revisão da Constituição.
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Li o o Projecto de Lei de Revisão da Constituição do PAICV e peca por alguns dos defeitos deste projecto de Humberto Cardoso. Resta-me saber o que virá do MPD...
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  • Imagem: Boreas, John Williams Waterhouse

  • LIVROS QUE MERECEM MAIS DO QUE SER LIDOS

LEWIS HANKE, All Mankind Is One: A Study of the Disputation Between Bartolome De Las Casas & Juan Gines De Sepulveda in 1550 on the Intellectual & Religious.

Um livro extraordinário sobre a discussão que estes dois pensadores se debruçaram na corte de Carlos V em Valhadolid: os índios do Novo Mundo e os africanos da África colonizada, por tabela, tinham ou não alma? Eram escravos por natureza? Uma discussão fascinante de dois pensadores representativos do Século de Oiro espanhol.

HANS GADAMER, La actualidad de lo bello.
Um livro sobre o sentido da arte. Fundamental para quem pensa e cria arte intencionalmente e não de modo reflexo ou acidental; para quem pensa e cria a arte como cultura eminente e/ou sentido epistémico. A ser lido e cotejado com «A Desumanização da Arte» de Ortega y Gasset.

Esta sujestão faz-me lembrar o que disse um dia Paulino Vieira: «há artistas verdadeiros e verdadeiros artistas».

  • Imagem: Salvador Dali, The Servant of the Disciples at Emmaus (1960)

O Senador Barack Obama, visivelmente nervoso no momento de jurar fidelidade perante John Roberts, Presidente do Supremo Tribunal, tornou-se o 44º. Presidente dos EUA e fez o seu primeiro discurso nesta qualidade. Fica aqui registado, para a posteridade – e que seja de boa memória.

DISCURSO DE TOMADA DE POSSE DE BARACK OBAMA
Washington, 20.01.2009

Meus caros cidadãos:

Aqui estou hoje, humilde perante a tarefa à nossa frente, grato pela confiança que depositaram em mim, consciente dos sacrifícios que os nossos antepassados enfrentaram. Agradeço ao Presidente Bush pelo seu serviço à nossa nação, assim como a generosidade e a cooperação que demonstrou durante esta transição.

Quarenta e quatro americanos fizeram até agora o juramento presidencial. Os discursos foram feitos durante vagas de crescente prosperidade e águas calmas de paz. No entanto, muitas vezes a tomada de posse ocorre no meio de nuvens espessas e furiosas tempestades. Nesses momentos, a América perseverou não só devido ao talento ou à visão dos que ocupavam altos cargos mas porque Nós o Povo permanecemos fiéis aos ideais dos nossos antepassados e aos nossos documentos fundadores.

Assim tem sido. E assim deve ser com esta geração de americanos.

Que estamos no meio de uma crise, já todos sabem. A nossa nação está em guerra, contra uma vasta rede de violência e ódio. A nossa economia está muito enfraquecida, consequência da ganância e irresponsabilidade de alguns, mas também nossa culpa colectiva por não tomarmos decisões difíceis e prepararmos a nação para uma nova era. Perderam-se casas; empregos foram extintos, negócios encerraram. O nosso sistema de saúde é muito oneroso; para muita gente as nossas escolas falharam; e cada dia traz-nos mais provas de que o modo como usamos a energia reforça os nossos adversários e ameaça o nosso planeta.

Estes são indicadores de crise, resultado de dados e de estatística. Menos mensurável mas não menos profunda é a perda de confiança na nossa terra - um medo incómodo de que o declínio da América é inevitável, e que a próxima geração deve baixar as expectativas.

Hoje eu digo-vos que os desafios que enfrentamos são reais. São sérios e são muitos. Não serão resolvidos facilmente nem num curto espaço de tempo. Mas fica a saber, América - eles serão resolvidos.Neste dia, unimo-nos porque escolhemos a esperança e não o medo, a unidade de objectivo e não o conflito e a discórdia

Neste dia, viemos para proclamar o fim dos ressentimentos mesquinhos e falsas promessas, as recriminações e dogmas gastos, que há tanto tempo estrangulam a nossa política.

Continuamos a ser uma nação jovem, mas nas palavras da Escritura, chegou a hora de pôr as infantilidades de lado. Chegou a hora de reafirmar o nosso espírito de resistência, de escolher o melhor da nossa história; de carregar em frente essa oferta preciosa, essa nobre ideia, passada de geração em geração; a promessa de Deus de que todos somos iguais, todos somos livres, e todos merecemos uma oportunidade de tentar obter a felicidade completa.

Ao reafirmar a grandeza da nossa nação, compreendemos que a grandeza nunca é um dado adquirido. Deve ser conquistada. A nossa viagem nunca foi feita de atalhos ou de aceitar o mínimo. Não tem sido o caminho dos que hesitam – dos que preferem o divertimento ao trabalho, ou que procuram apenas os prazeres da riqueza e da fama. Pelo contrário, tem sido o dos que correm riscos, os que agem, os que fazem as coisas – alguns reconhecidos mas, mais frequentemente, mulheres e homens desconhecidos no seu labor, que nos conduziram por um longo e acidentado caminho rumo à prosperidade e à liberdade.

Por nós, pegaram nos seus parcos bens e atravessaram oceanos em busca de uma nova vida.Por nós, eles labutaram em condições de exploração e instalaram-se no Oeste; suportaram o golpe do chicote e lavraram a terra dura. Por nós, eles combateram e morreram, em lugares como Concord e Gettysburg; Normandia e Khe Sahn.

Tantas vezes estes homens e mulheres lutaram e se sacrificaram e trabalharam até as suas mãos ficarem ásperas para que pudéssemos viver uma vida melhor. Eles viram a América como maior do que a soma das nossas ambições individuais; maior do que todas as diferenças de nascimento ou riqueza ou facção.

Esta é a viagem que hoje continuamos. Permanecemos a nação mais poderosa e próspera na Terra. Os nossos trabalhadores não são menos produtivos do que eram quando a crise começou. As nossas mentes não são menos inventivas, os nossos produtos e serviços não são menos necessários do que eram na semana passada ou no mês passado ou no ano passado. A nossa capacidade não foi diminuída. Mas o nosso tempo de intransigência, de proteger interesses tacanhos e de adiar decisões desagradáveis – esse tempo seguramente que passou.

partir de hoje, devemos levantar-nos, sacudir a poeira e começar a tarefa de refazer a América.Para onde quer que olhamos, há trabalho para fazer. O estado da economia pede acção, corajosa e rápida, e nós vamos agir – não só para criar novos empregos mas para lançar novas bases de crescimento. Vamos construir estradas e pontes, redes eléctricas e linhas digitais que alimentam o nosso comércio e nos ligam uns aos outros.

Vamos recolocar a ciência no seu devido lugar e dominar as maravilhas da tecnologia para elevar a qualidade do serviço de saúde e diminuir o seu custo. Vamos domar o sol e os ventos e a terra para abastecer os nossos carros e pôr a funcionar as nossas fábricas. E vamos transformar as nossas escolas e universidades para satisfazer as exigências de uma nova era.

Podemos fazer tudo isto. E tudo isto iremos fazer. Há alguns que, agora, questionam a escala das nossas ambições – que sugerem que o nosso sistema não pode tolerar muitos planos grandiosos.

As suas memórias são curtas. Esqueceram-se do que este país já fez; o que homens e mulheres livres podem fazer quando à imaginação se junta um objectivo comum, e à necessidade a coragem.O que os cínicos não compreendem é que o chão se mexeu debaixo dos seus pés – que os imutáveis argumentos políticos que há tanto tempo nos consomem já não se aplicam. A pergunta que hoje fazemos não é se o nosso governo é demasiado grande ou demasiado pequeno, mas se funciona – se ajuda famílias a encontrar empregos com salários decentes, cuidados de saúde que possam pagar, pensões de reformas que sejam dignas. Onde a resposta for sim, tencionamos seguir em frente. Onde a resposta for não, programas chegarão ao fim.


E aqueles de nós que gerem os dólares do povo serão responsabilizados – para gastarem com sensatez, reformarem maus hábitos e conduzirem os nossos negócios à luz do dia – porque só então poderemos restaurar a confiança vital entre o povo e o seu governo.

Não se coloca sequer perante nós a questão se o mercado é uma força para o bem ou para o mal. O seu poder de gerar riqueza e de expandir a democracia não tem paralelo, mas esta crise lembrou-nos que sem um olhar vigilante o mercado pode ficar fora de controlo – e que uma nação não pode prosperar quando só favorece os prósperos. O sucesso da nossa economia sempre dependeu não só da dimensão do nosso Produto Interno Bruto, mas do alcance da nossa prosperidade; da nossa capacidade em oferecer oportunidades a todos – não por caridade, mas porque é o caminho mais seguro para o nosso bem comum.

Quanto à nossa defesa comum, rejeitamos como falsa a escolha entre a nossa segurança e os nossos ideais. Os nossos Pais Fundadores, face a perigos que mal conseguimos imaginar, redigiram uma carta para assegurar o estado de direito e os direitos humanos, uma carta que se expandiu com o sangue de gerações. Esses ideais ainda iluminam o mundo, e não vamos abdicar deles por oportunismo.

E por isso, aos outros povos e governos que nos estão a ver hoje, das grandes capitais à pequena aldeia onde o meu pai nasceu: saibam que a América é amiga de todas as nações e de todos os homens, mulheres e crianças que procuram um futuro de paz e dignidade, e que estamos prontos para liderar mais uma vez.

Recordem que as primeiras gerações enfrentaram o fascismo e o comunismo não só com mísseis e tanques mas com alianças sólidas e convicções fortes. Compreenderam que só o nosso poder não nos protege nem nos permite agir como mais nos agradar. Pelo contrário, sabiam que o nosso poder aumenta com o seu uso prudente; a nossa segurança emana da justeza da nossa causa, da força do nosso exemplo, das qualidades moderadas de humildade e contenção.

Nós somos os guardiões deste legado. Guiados por estes princípios uma vez mais, podemos enfrentar essas novas ameaças que exigem ainda maior esforço – ainda maior cooperação e compreensão entre nações. Vamos começar responsavelmente a deixar o Iraque para o seu povo, e a forjar uma paz arduamente conquistada no Afeganistão. Com velhos amigos e antigos inimigos, vamos trabalhar incansavelmente para diminuir a ameaça nuclear, e afastar o espectro do aquecimento do planeta.

Não vamos pedir desculpa pelo nosso modo de vida, nem vamos hesitar na sua defesa, e àqueles que querem realizar os seus objectivos pelo terror e assassínio de inocentes, dizemos agora que o nosso espírito é mais forte e não pode ser quebrado; não podem sobreviver-nos, e nós vamos derrotar-vos.Porque nós sabemos que a nossa herança de diversidade é uma força, não uma fraqueza. Nós somos uma nação de cristãos e muçulmanos, judeus e hindus – e não crentes.

Somos moldados por todas as línguas e culturas, vindas de todos os cantos desta Terra; e porque provámos o líquido amargo da guerra civil e da segregação, e emergimos desse capítulo sombrio mais fortes e mais unidos, não podemos deixar de acreditar que velhos ódios um dia passarão; que as linhas da tribo em breve se dissolverão; que à medida que o mundo se torna mais pequeno, a nossa humanidade comum deve revelar-se; e que a América deve desempenhar o seu papel em promover uma nova era de paz.

Ao mundo muçulmano, procuramos um novo caminho em frente, baseado no interesse mútuo e no respeito mútuo. Aos líderes por todo o mundo que procuram semear o conflito, ou culpar o Ocidente pelos males da sua sociedade – saibam que o vosso povo vos julgará pelo que construírem, não pelo que destruírem. Aos que se agarram ao poder pela corrupção e engano e silenciamento dos dissidentes, saibam que estão no lado errado da história; mas que nós estenderemos a mão se estiverem dispostos a abrir o vosso punho fechado.

Aos povos das nações mais pobres, prometemos cooperar convosco para que os vossos campos floresçam e as vossas águas corram limpas; para dar alimento aos corpos famintos e aos espíritos sedentos de saber. E às nações, como a nossa, que gozam de relativa riqueza, dizemos que não podemos mais mostrar indiferença perante o sofrimento fora das nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem prestar atenção aos seus efeitos. Porque o mundo mudou, e devemos mudar com ele.

Ao olharmos para o caminho à nossa frente, lembremos com humilde gratidão os bravos americanos que, neste preciso momento, patrulham desertos longínquos e montanhas distantes. Eles têm alguma coisa para nos dizer hoje, tal como os heróis caídos em Arlington fazem ouvir a sua voz. Honramo-los não apenas porque são guardiões da nossa liberdade, mas porque incorporam o espírito de serviço; uma vontade de dar significado a algo maior do que eles próprios. E neste momento – um momento que definirá uma geração – é este espírito que deve habitar em todos nós. Porque, por mais que o governo possa e deva fazer, a nação assenta na fé e na determinação do povo americano.

É a generosidade de acomodar o desconhecido quando os diques rebentam, o altruísmo dos trabalhadores que preferem reduzir os seus horários a ver um amigo perder o emprego que nos revelam quem somos nas nossas horas mais sombrias. É a coragem do bombeiro ao entrar por uma escada cheia de fumo, mas também a disponibilidade dos pais para criar um filho, que acabará por selar o nosso destino.

Os nossos desafios podem ser novos. Os instrumentos com que os enfrentamos podem ser novos. Mas os valores de que depende o nosso sucesso – trabalho árduo e honestidade, coragem e fair play, tolerância e curiosidade, lealdade e patriotismo – estas coisas são antigas. Estas coisas são verdadeiras. Têm sido a força silenciosa do progresso ao longo da nossa história. O que é pedido, então, é o regresso a essas verdades.

O que nos é exigido agora é uma nova era de responsabilidade – um reconhecimento, da parte de cada americano, de que temos obrigações para connosco, com a nossa nação, e com o mundo, deveres que aceitamos com satisfação e não com má vontade, firmes no conhecimento de que nada satisfaz mais o espírito, nem define o nosso carácter, do que entregarmo-nos todos a uma tarefa difícil.

Este é o preço e a promessa da cidadania.

Esta é a fonte da nossa confiança – o conhecimento de que Deus nos chama para moldar um destino incerto.

Este é o significado da nossa liberdade e do nosso credo – é por isso que homens e mulheres e crianças de todas as raças e todas as religiões se podem juntar em celebração neste magnífico mall, e que um homem cujo pai há menos de 60 anos não podia ser atendido num restaurante local pode agora estar perante vós a fazer o mais sagrado juramento.

Por isso, marquemos este dia com a lembrança do quem somos e quão longe fomos. No ano do nascimento da América, no mais frio dos meses, um pequeno grupo de patriotas juntou-se à beira de ténues fogueiras nas margens de um rio gelado. A capital tinha sido abandonada. O inimigo avançava. A neve estava manchada de sangue. No momento em que o resultado da nossa revolução era incerto, o pai da nossa nação ordenou que estas palavras fossem lidas ao povo:“Que o mundo que há-de vir saiba que... num Inverno rigoroso, quando nada excepto a esperança e a virtude podiam sobreviver... a cidade e o país, alarmados com um perigo comum, vieram para [o] enfrentar.”

América. Face aos nossos perigos comuns, neste Inverno das nossas dificuldades, lembremo-nos dessas palavras intemporais. Com esperança e virtude, enfrentemos uma vez mais as correntes geladas e suportemos as tempestades que vierem. Que seja dito aos filhos dos nossos filhos que quando fomos testados recusámos que esta viagem terminasse, que não recuámos nem vacilámos; e com os olhos fixos no horizonte e a graça de Deus sobre nós, levámos adiante a grande dádiva da liberdade e entregámo-la em segurança às futuras gerações.
in publico

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

  • A FELICIDADE DA DESRAZÃO

Na antiguidade clássica houve um período – pré ciência – em as pessoas com deficiências mentais eram consideradas «tocadas pelos deuses» e eram objecto de protecção social. Hoje, num quadro de “maioridade civilizacional”, essas pessoas são objecto de abusos afrontosos, vítimas de actos próprios de trogloditas, de exploração escandalosa da sua condição.

E, por vezes, pergunto-me se essas civilizações antigas não teriam razão. Como ontem: vendo um documentário na RTP2, em que ouvi e fui surpreendido por uma pérola de sabedoria existencial. Um jovem repórter entrevistava o Sr. Fernando Alves, portista ferrenho e conhecido a nível nacional como o «Emplastro». Do diálogo, ao caso, importa isto:
— Qual é o seu sonho? – pergunta o jovem repórter.
— O que é um sonho? – volveu o Fernando.

E não pude, de todo, deixar de pensar na velha de Voltaire…

  • Imagem: Voltaire

  • O MEU POETA E OS HERÓIS NACIONAIS
– VB, ontem era dia especial em Cabo Verde, não era? – perguntou-me o meu poeta.
– Sim, meu Poeta, era... – respondi.
– Então, o que aconteceu aos heróis nacionais? Morreram? – quis saber o meu poeta.
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  • Imagem: Oiseau de Nuit, Fassianos

  • AS MAMAS DA VIRGEM

A intolerância religiosa não é apanágio do islão; assim como o (des)respeito pela liberdade de expressão da Europa. Ah, não! Em Santiago – do Chile, sim… pois no de CV cairia o Carmo e a Trindade (?) – um par de modelos do estilista Ricardo Oyarzun vestidos à virgem Maria causaram uma polémica considerável e escandalizaram os conservadores da nação. Estes recorreram ao Tribunal, tentando impedir a actividade artística, sem sucesso.

É velha luta entre a liberdade de expressão e a liberdade religiosa e onde acaba um e começa outro. Uma vexata quaestio. O que vale é que se respeita as instituições democráticas, como definidas pelas constituições e pelas leis; o que é, de todo, um ganho civilizacional considerável pois implica uma ponderação de interesses, a sua concordância prática e a realização da liberdade. É caso para dizer: Y viva Chile! O que não me admira, pois é um dos países onde existe uma doutrina sustentada sobre os direitos fundamentais da pessoa humana.

Ah, esquecia: como se a virgem Maria não tivesse mamas… aquelas que alimentaram Jesus Cristo e o seus irmãos, Tiago, Judas...

  • Imagem: Uma das modelos de Ricardo Oyarzun, esteticamente muito Madonna

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

  • O OUTRO MUNDO
Ele não sabe o que é lagosta suada, caviar beluga e o que bebe não é evian… – lembra-me o meu poeta.

  • O NOVO SONHO AMERICANO
Hoje a história sente dores de parto. Barack Obama é empossado como Presidente os Estados Unidos. O impossível e o improvável aconteceram – o sonho de Martin Luther King explodiu e polvilhou todos de uma nova e necessária esperança. O futuro começa agora.

O silêncio de Barack Obama sobre o conflito Israelo-palestiniano – objecto de critica em muitos quadrantes – é o silêncio respeitoso e devido às instituições, necessário e de acordo com as tradições democráticas dos EUA. Honrar publicamente os adversários, como fez com John MacCain; reconhecer a coragem e a capacidade política de pessoas de outros quadrantes, como é o caso Colin Powell e com a recondução de Robert Gates como Secretário da Defesa; exaltar o companheirismo e dedicação do outro - como fez com Joe Biden – e a ao outro, como demonstrou a dedicar um dia ao serviço cívico na comunidade. É uma mensagem clara de um homem que se preocupa com o destino do seu semelhante.

Ao vê-lo a discursar no Lincoln Memorial, com a estátua do homem que decidiu abolir a escravatura a olhar para ele, petrificado, estava envolto pela ideia de sonho que outrora fora levado e evocado ali. Ao escutá-lo evocar – enquanto testemunho vivo da realização do sonho de Martin Luther King: “Free at last, free at last! Thank God Almighty, we are free at last.”… – e convocar a dimensão comunitária dos desafios do futuro parafraseando Plutarco: «a grandeza de um povo está na forma como enfrenta a adversidade» percebi que é possível ter esperança e que cedo ou tarde os sonhos explodem – isto é, realizam-se. Langston Hughes, esteja onde estiver, deverá, neste dia, exultar com a surpresa da resposta.

A grande questão é: irá Barack Obama concretizar esta ideia – quase revolucionária para a sociedade americana do american dream – de uma América inclusiva, solidária e comunitária que, ao mesmo tempo, recupere a autoridade moral externa que ostentou no passado sem correr o risco de parecer uma nação enfraquecida e, assim, fazer perigar a sua segurança interna? Isso o futuro nos dirá. Agora uma coisa é certa: o sonho americano nunca mais será o mesmo. Acontece, hoje, talvez sem nos apercebermos, a concretização de uma ruptura do paradigma do sonho. Sim, uma nova episteme do sonho percorre o Mundo. Esta é, verdadeiramente, a verdadeira mudança. Talvez só daqui algumas gerações venhamos a ter a consciência exacta do que acontece com a Presidência de Barack Obama.

Uma palavra para George W. Bush: nem tudo foi mau, e destaco quarto coisas boas: 1) o seu empenho na ajuda a África, nomeadamente com o Millennium Challenge Account; 2) a firmeza com que tratou o trauma no pós 11 de Setembro, não deixando o país cair em depressão; 3) o seu exasperante sentido de humor e, ainda, um facto fundamental: 4) não fosse a sua manifesta imperícia de gestão da coisa pública e o dia de hoje não seria possível tão cedo. Mas uma coisa é certa: a história não o absolverá.
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  • Imagem: Barack Obama com John McCain nas vésperas da tomada de posse.