domingo, 30 de novembro de 2008

  • PORQUE SOU NEGRO ©
“O vinho novo é melhor”, li na Bíblia que tenho no meu telemóvel. E lembro-me de um livro que li há alguns anos – parece que foi há uma eternidade – a conselho do Bernardo Sá (um bom amigo desaparecido da vista mas perto do coração): «O Vinho Novo é Melhor» de Robert Thom. Entretenho a alma a relembrar a obra e a sua substância quando sou interrompido.

— Concordas com isso, VB – pergunta-me o meu poeta.
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Olho para ele, percebo a sua pergunta e respondo-lhe:

— Meu poeta, concordo com o meu Mestre, segundo a sua perspectiva. Mas, falando do fruto do mosto em si, não é verdade. Aí, que me perdoe o meu Mestre!, não concordo. Quando não azeda, o vinho curado pelo tempo é melhor; mas isso o meu Mestre sabe, pois em Canaã o que se bebeu foi o néctar dos tempos subtraído dos socalcos prenhes de seiva e de alma.

O meu poeta, ainda amuado, sorriu. Agarrou num copo de água e voltou a sorrir. Volto a perceber a sua pergunta silenciosa, a larvar insinuação a desafiar-me, e, para evitar uma conversa infinita e curar a sua maleita de alma, pergunto-lhe:

— Sabes, meu poeta, que a culpa de eu ser negro, é da água e do vinho tinto?
— Repete lá isso! — gritou o meu poeta, espantado. — Repete lá isso!
— Sabes, meu poeta, que a culpa de eu ser negro, é da água e do vinho tinto? — repeti.

O meu poeta – de volúpia rindo – disse-me:

— Oh, VB, conta lá isso! Só pode ser gozo teu…
— Não meu poeta, não é gozo, não... É teologia subliminar. Mas não te conto até deixares de estar amuado – afirmo, sentencioso.
— Amuado, eu? Onde foste buscar essa ideia absurda? Ah, não importa! Mesmo que estivesse, já não estou. Vá lá, VB… conta lá o que a água e o vinho tinto têm a ver com o facto de seres negro?

E contei ao meu poeta de como a Bíblia diz que a causa de eu ser negro, preto e quejando é primeiro da água e depois do vinho tinto. O meu poeta ficou abismado, mas divertido. E resolveu convidar-me a beber um copo de vinho tinto com ele. Aceitei. Com duas condições – que aceitou prontamente: falarmos da poesia vinícola de Li Po e bebermos vinho tinto não novo mas com história.
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  • Imagem: Escola em Angola, durante o período colonial

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