- MEMÓRIAS ACADÉMICAS
– Os Senhores vão passar a Vossa vida a esquecer o que aprenderam aqui – disse o docente, com a convicção de quem sabia o que dizia. Desde então policio-me, diligentemente, para que isso não aconteça.
Assim, contrariando a ideia de que «sei» alguma coisa, revisito sempre o passado e por novos caminhos. Por esta altura estou a reler «A Theory of Justice» de John Rawls e «Introducción al Análisis del Derecho» de Carlos Santiago Nino – uma das mentes mais brilhantes do Século XX e um humanista que pensava o Direito como uma ciência pró humanidade e não como uma estrutura normativa de legitimação do poder, do seu exercício regulador e de conformação das situações sociais.
Ler Carlos Santiago Nino («Ética y Derechos Humanos» é um monumento à humanidade que merecia o mesmo destino que as Memórias de Winston Churchill; assim como «Radical Evil on Trial» é aconselhável a legisladores e julgadores), John Rawls («A Theory of Justice» – um dos grandes momentos de construção da ideia de Estado de Direito no Séc. XX), Ernesto Garzón Valdés, Eugénio Bulygin, Carlos Alchourrón, Robert Alexy («Teoria de los Derechos Fundamentales» é, para mim, uma espécie de Bíblia nesta matéria), John Finnis («Fundamentals of Ethics»), Jurgen Habermas, Tony Honoré («Emperor and Lawyers» é estruturante para estudiosos da História clássica e do Direito)... constitui, para mim, um exercício de veneranda humildade, de refundação do «ver» o Mundo e as suas incidências para além das evidências.
Fatalmente, a minha mente remete-me às minhas origens, ao meu berço.... Numa altura em que se afirma a existência de uma democracia sólida – mas com pés de barro (como o conflito patente entre Jorge Santos e José Maria Neves, o «debate controlado» entre este e Carlos Veiga – que remeteu o líder da oposição à uma indesejável menoridade social, política e no interior do seu partido – e o «bloqueio parlamentar» demonstram de forma cabal) – e se ouve a alta voz que as magistraturas sofrem pressões ou que os magistrados «têm medo», se calhar conviria aos actores sociais no plano dos órgãos de soberania revisitar John Rawls e, em particular, a sua «Justiça e Democracia».
Os políticos devem saber o que é ser-se político e os magistrados – cuja independência funcional e substancial é a pedra de toque da democracia – também, pois de outro modo a democracia acaba por ser reduzida a um nomen. Numa democracia, nem os magistrados devem ter medo de decidir nem o legislador e os governantes devem deixar de agir – mesmo que isso represente não repristinar ofensas do passado – como conseguiu, em boa hora, fazer ver ao Presidente Raúl Alfonsín.
Na verdade, quando penso no que vou escrevendo, tenho consciência que o conselho dado e recebido era verdadeiro – não no sentido e contexto em que foi transmitido – pois comecei a «ver» e a aprender as coisas depois de deixar a Faculdade de Direito de Lisboa e seguir outros horizontes. mpf84
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