segunda-feira, 3 de novembro de 2008

  • O FILHO DE ESCRAVO QUE CHEGOU A IMPERADOR ROMANO. YES, WE CAN
Estava, ao fim de tarde de Domingo, a pensar e lembrei-me de um amigo já falecido – Ricôrd d´Dadás, e do que ele me disse há já alguns anos.

– Dji, t´perceme q´vida t´conspirá contra nôs que nascê pobre…

E não pude deixar de me lembrar de Publius Helvius Pertinax e de escrever umas notas em torno da sua extraordinária vida. A inscrição do denário de ouro, cunhado entre Janeiro a Março de 193 AD e que segue com este texto, diz-nos como Publius Helius Pertinax era visto pelos romanos: IMP CAES P HELV PERTIN AVG PROVID DEOR COS II. Isto é, Imperador César Publius Helvius Pertinax Augusto, na frente da moeda com e efígie do imperador e, no verso, Providência Divina, Cônsul pela segunda vez.

Pertinax ascendeu a Imperador romano no dia 1 de Janeiro de 193 AD, na sequência da morte de Aurelius Commudus, filho de Marcus Aurelius Antoninus – o sábio, na noite de fim de ano de 192 AD. Commodus, ao contrário do que é narrado no filme «Gladiador», não morreu na arena do Coliseu de Roma – ainda que tenha entrado na arena, segundo a Historiae Augustae, mais de trezentas vezes, muitas vezes vestido de Hércules – mas sim estrangulado por um escravo. Assim como a sua irmã Lucilla, que no filme «Gladiador» aparece na arena do Coliseu, também filha de Marcus Aurelius e mulher do então falecido Imperador Lucius Verus, já tinha, à data, sido assassinada, anos antes, no exílio da ilha de Capri. Homicídios da História à Hollywood...

A morte de Commodus deveu-se à conspiração de Márcia – sua amante cristã, de Ecleto, o camareiro de Commodus e de Quintus Letus, o africano chefe da Guarda Pretoriana e um dos homens mais influentes e temidos dos finais do Séc. II e início do Séc. III em Roma.

Filho de um escravo liberto, Publius Helvius Pertinax é um dos maiores exemplos de resiliência da história; aliás, o seu nome se confunde com este conceito. Foi o único cidadão romano a conseguir transcender a sua condição numa geração – de apanhador e vendedor de lenha para sobreviver chegaria a Imperador Romano. No seu tempo eram precisos três gerações para se conseguir subir um degrau na social, para se transcender a situação social. É o exemplo acabado de que a condição em que nascemos não é, de todo, definidora do nosso destino e que é possível vencer o infortúnio e a pobreza.

Publius Helvius Pertinax foi, na cultura clássica e das que esta influenciaria, o primeiro a dizer aos pobres e menos favorecidos a socidade: Yes, we can. E disse-o e mostrou-o com a sua vida, com o seu esforço, a sua resiliência e dedicação ao bem comum.

Pertinax começou por estudar e dedicou-se a adquirir o conhecimento e ao ensino até que, um dia – com trinta anos de idade –, tomou consciência da sua condição e disse para si mesmo que tinha de «fazer alguma coisa com o conhecimento» que adquirira até então. Assim, alistou-se no exército romano – a única carreira que quem era de origem humilde poderia almejar riqueza.

A felicidade fez com que se cruzasse com o Imperador Marco Aurélio que admirou não somente a sua coragem mas também o seu saber. De promoção em promoção no seio dos exércitos e da administração romana, viria a alcançar o inimaginável – foi eleito Cônsul (no tempo da República equivalia ser Rei por um ano, conjuntamente com um outro; não era assim no Império, mas era a summa glória cidadã) por duas vezes e a granjear enorme reputação, fama.

Esta condição era, além da de ser Imperador, a glória suprema em Roma e, segundo as regras instituídas, o passo necessário para se ser Imperador – ainda que a lógica dos Antoninos (Nerva, Trajano, Adriano, Antonino Pio, Lucius Verus, Marco Aurélio…) fosse da escolha do «melhor homem» e que só foi violado por Marco Aurélio ao deixar o Imperium ao seu filho Aurelius Commodus.

O interessante é que Aurelius Commodus, o último dos primeiros Antoninos – os do Século dos Antoninos – e tido como um louco, ao ter feito um legado testamentário a favor do tunisino Clodius Albinus em caso de morte, retomava essa lógica.

Mas, com a sua morte, estando Clodius Albinus longe de Roma e sendo este documento desconhecido, o homem que foi aclamado Imperador foi o filho do escravo liberto que decidiu seguir a senda do conhecimento e da sua aplicação pratica – Publius Helius Pertinax. Talvez somente Alexandre Severus, o Imperador afro-asiático do Império romano e neto de Septimius Severus, tenha sido mais amado do que ele.

A razão era simples. Pertinax preocupava-se com o povo de Roma e com o seu bem-estar. Em três meses de Imperium deixou uma marca profunda na vida e na memória dos romanos e da humanidade em geral. A sua tentativa de reforma da ociosa Guarda Pretoriana – como mais tarde viria a acontecer com o magno jurisconsulto Ulpiano – seria a causa imediata da sua morte.

O homem providência foi sacrificado aos interesses daqueles que se consideravam como os verdadeiros senhores do Imperium – os pretorianos. Morto e arrastado pelas ruas de Roma, perante o horror popular, levou com ele a ideia de bem ansiado pelos romanos e destruído o período de paz interna e prosperidade dos primeiros antoninos. E tido como certo que, se tivesse tido tempo, teria sido outro Trajano, o Optimus Princeps.

Os pretorianos colocaram o Império a venda – tendo, inclusive, feito um pregoeiro junto à Porta Salária – e o mesmo acabou por ser comprado por Didius Julianus. O escândalo da morte de Pertinax e da venda do Império em hasta pública chegou aos exércitos romanos estacionados fora de Roma.

Os generais romanos das legiões, o itálico Pescenius Nigro, o tunisino Clodius Albinus e o líbio Septimius Severus revoltaram-se e teve início a guerra civil em Roma, a guerra do quatro imperadores, que culminaria com a entrada de Septimius Severus em Roma – sendo o primeiro, depois de Júlio César, a passar o Rubicão a frente de um exército sem ser na condição de Imperador – em Junho de 193 AD.

Assumindo-se «Vingador de Pertinax» – havendo índices numismáticos em que aparece como SEV PERT AVG, isto é Severus Pertinax Augusto –, recusa compartilhar o Império com Didius Julianus (que, desesperado, oferecera-lhe metade do império) que é morto pelos pretorianos e por decisão do Senado aterrorizado.

Cassius Dio, na sua Historiae Romanae, diz na primeira pessoa que os senadores – ele inclusive, pois era então membro do Senado –, ao saberem que Severus estava às portas de Roma, decidiram matar Juliano e seguir para as portas da cidades, povo, senadores, pretorianos, vestais aclamar o africano Septimius Severus como Imperador de Roma. Assim aconteceu, a modos da entrada de Septimius Severus em Roma em 201 AD – «o maior espectáculo que vi em toda a minha vida», diz Cassius Dio – o inicio o Imperium do primeiro Imperador africano do Império romano.

O povo, no entanto, temia o africano e, odiando sobremaneira o usurpador Juliano preferia o itálico Pescenius Nigro como Imperador; assim como o Senado que se inclinava para Pescenius Nigro ou Clodius Albino e não o africano que tinha chegado a Roma com dezoito anos para trabalhar nos censos da cidade e estudar Direito com, entre outros colegas, o magno Papiniano.

Severus, que era amigo de Pertinax (conheceram-se ao serviço de Marco Aurélio), assume o Imperium e coloca em ordem a coisa pública em Roma, não sem passar por uma guerra civil com Pescenius Nigro e, depois, com Clodius Albinus – inicialmente um aliado estratégico – e cimentando o seu Império em 198 AD, quando vence Clodius Albinus e acaba a guerra civil causada pela morte de Publius Helvius Pertinax, o homem providencia que, além de protegido da Fortuna, era pertinaz; este nome foi-lhe dado quando, ainda menino, negociava a lenha.

Durante toda a sua vida Septimius Severus honraria memória de Publius Helius Pertinax. Assim como o fazemos nós, sempre que somos pertinazes e no matter what dizemos: Yes, we can!

  • Imagem: Publius Helius Pertinax, Imperador romano, Janeiro/Março de 193 AD

3 comentários:

Anónimo disse...

Achei uma bosta! Perdi 10 minutos da minha vida lendo isso.

Virgilio Brandao disse...

Cada um acha o que pode e merece, não acha? Bom proveito no achamento.

Patão disse...

e deveria achar mesmo, pra quem não sabe nem acentuar "anônimo"...

No mais, um bom texto..."no más ni menos"